A traição do ser (existir) e a alegria genuína

quinta-feira, 02 de julho de 2015

Deslealdade, quebra de fidelidade, falsidade, farsa, são sinônimos de traição. Há a traição conjugal, quando uma pessoa casada se envolve afetiva e/ou sexualmente com outra, há a traição da pátria, numa deserção ou passar para o lado do inimigo numa guerra, há a traição partidária, quando um político é infiel aos preceitos do seu partido, etc.

Num casamento pode ocorrer um tipo de traição bastante desagradável, que tem a ver com a pessoa com quem você se casou, com o passar dos anos, revelar que não é ou não tem as características que você desejava num companheiro(a) para uma vida a dois.

Vamos supor que você tenha se casado com uma pessoa que parecia ser forte, decidida, proativa, mas que com o passar do tempo foi se revelando autoritária, mandona, possessiva. Então, começou a surgir em você uma frustração bem difícil de se lidar com ela. O outro não é como você sonhava que fosse. E agora?

Algumas perguntas surgem nesta situação: Por que você se casou com alguém que não era ou não possuía as características que você desejava num(a) companheiro(a)? Por que não escolheu outro tipo de pessoa que poderia se encaixar bem melhor com o perfil desejado? O que houve em sua consciência que não percebeu, não avaliou bem como era a pessoa no início do relacionamento? Será que ela mascarou o jeito de ser e o(a) confundiu sobre como ela era na verdade? Por outro lado, será que você mascarou seu jeito de ser e a pessoa com quem você se casou foi iludida também? Por que casamos com o tipo de pessoa com quem casamos? O que nos atrai para o tipo de pessoa que nos atrai? Não há respostas simples para tais perguntas. Mas podemos ver ideias sobre isto.

Quando casamos não há como zerar ou anular as influências psicológicas, positivas e negativas, que estão em nossa personalidade devido às vivências ou experiências da infância e adolescência. Ao crescermos, vamos “montando” ou estruturando, inconscientemente, nosso jeito de ser em função de (1)genética e epigenética, (2)dinâmica emocional da vida na infância e (3)sensibilidade ou vulnerabilidade pessoal, além, claro, do (4)conflito espiritual fora e dentro de cada um de nós.

Levamos para dentro do relacionamento marital, para o relacionamento no trabalho, na escola, na universidade, na vida comunitária, tudo o que somos e que temos como temperamento, personalidade, caráter. Por exemplo, a irritabilidade que alguém aprendeu a praticar com o pai e/ou com a mãe (modelo copiado deles), recebendo a tendência genética e fazendo escolhas emocionais imaturas, explodem dentro do casamento não somente por dificuldades e conflitos conjugais, mas porque esta tendência de ser uma pessoa irritadiça foi trazida para dentro do relacionamento. E se o indivíduo não admitir isto, não enxergar isto, se fugir desta verdade sobre sua pessoa, acreditará que o único problema que o(a) deixa irritado(a) facilmente no casamento é por causa do outro. “O outro me faz ficar assim, irritado(a).” Mas esta não é a verdade, ou em alguns casos, não é a verdade total. Muitas pessoas irritadiças trouxeram esta característica para o relacionamento a dois.

No começo do relacionamento com uma pessoa irritadiça é possível achar legal ela ser “forte”, “decidida”, “que não leva desaforo para casa”, mas com o passar do tempo vivendo com ela, pode surgir a frustração, ao ver que ela não é nada de forte, mas imatura quanto ao domínio das emoções, por isso a irritabilidade. O que parecia atraente pode se tornar repulsivo.

Neste caso houve uma traição “ideológica”, que é quando a pessoa com quem você se relaciona numa vida conjugal passa a revelar traços de caráter oposto ao que você gostaria que ela possuísse e que você não havia percebido antes. Pare de ler um pouquinho e pergunte a si mesmo(a): Sou causador(a) de uma traição deste tipo? Ou seja, também não sou o que a pessoa com quem me casei esperava que eu fosse?

Bom, possivelmente a pessoa com quem você vive tem boas características. Felizmente. Nem tudo está perdido. E você tem coisas positivas no seu jeito de ser, assim nem tudo está perdido para seu(sua) companheiro(a).

Pode ser que tenha sido necessário você se envolver com alguém que se revelou depois com jeito de ser frustrante, a fim de que você pudesse crescer como pessoa. Mas este crescimento só ocorre quando há discernimento, compreensão desta dinâmica difícil numa vida a dois. Você terá que sair do automático e caminhar para a análise racional e objetiva da situação para que possa obter este amadurecimento. Não são muitos que querem fazer isto, porque pode ser mais fácil ficar na ilusão novelesca romântica, sem aceitar a realidade de que não há nenhum ser humano que nos possa preencher tudo que desejamos e até merecemos.

Amadurecer neste caso significa aprender a lidar com este tipo de traição, aceitar a frustração, e também aprender a se proteger dos defeitos de caráter do outro para não ficar na neurose. Se o outro também fizer este caminho, saindo passo a passo da defesa neurótica, ambos ganharão. Mas se não, você pode ter paz interior mesmo diante de frustrações. “Assim também vocês agora, na verdade, têm tristeza; mas Eu os tornarei a ver, e o seu coração se alegrará, e a sua alegria ninguém a tirará.” João 16:22. Nenhuma frustração emocional tira sua alegria espiritual, se você a obteve da Fonte certa, gratuitamente, ao compreender e aceitar, sem rancor, que nenhum ser humano pode preencher todas as nossas necessidades emocionais.

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César Vasconcelos de Souza

Cesar Vasconcellos de Souza

Saúde Mental e Você

O psiquiatra César Vasconcellos assina a coluna Saúde Mental e Você, publicada às quintas, dedicada a apresentar esclarecimentos sobre determinadas questões da saúde psíquica e sua relação no convívio entre outro indivíduos.

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