Nós e nossos nós

terça-feira, 19 de julho de 2016
Foto de capa

Cada um tem suas manias. Tem gente que roça um pé no outro antes de dormir. Tem mulheres que gostam tanto de perfumes que a última gota vai na língua; minha mãe é assim. Tem escritor que escreve em pé, outros em cafés. E eu, que ficava sem jeito de dizer, mas resolvi falar porque não me dou bem com coisas às escondidas, adoro corrigir meus textos dentro do metrô, no meio de barulhos e gente. Mania assim, só pode ser maluquice! E, agora, dei para ter outra, menos estapafúrdia com certeza, fico com um livro na mão do autor que me inspira. Ultimamente Fernando Pessoa tem sido o meu escritor favorito e já virou mania escrever lendo seus contos, fábulas, poesias, crônicas. Talvez sua genialidade faça meus olhos ficarem pasmados ante suas palavras, tão bem colocadas e ditas. Já disseram que foi um dos maiores talentos da humanidade. Concordo. Até porque, não sei qual o poder que possui, Fernando faz minha alma movimentar. Se lá que magia é essa dele conseguir, em apenas uma estrofe ou linha que seja, ir no meu maior íntimo e achar pensamentos escondidos, que nem agulha no palheiro. Tenho a ligeira impressão que fez o mesmo com Maria Bethânia. Ela confessou isso certa vez.

Não quero trair meus encantamentos e vou continuar com o livro dele aberto, mesmo que em páginas recicladas. Ah, não consigo viver sem estar com gênios por perto, até porque sou um tanto quanto tola e preciso de bordões.

Bem, assisti a uma palestra de um escritor jovem, o Thiago David, que me encantou pela prudência e pelo jeito simples de contar sua história de escritor. Todos nós temos histórias e os escritores têm em cada obra, mesmo num miniconto ou uma poesia de apenas uma estrofe, uma aventura intensa. O fazer literário é corajoso, adentra oceanos imprevisíveis e desbrava matas densas. Porém a maior de todas são nossas trilhas interiores e, talvez seja por isso que o escritor tenha num gesto desbravador, quando sai em busca da palavra exata.

E o Tiago, assim, sorridente e com certa timidez, foi se revelando. E, aqui, vou trazer algumas pérolas daquele momento feliz.

A primeira é a ideia do livro “A Poesia da Notícia” bem criativa por sinal: escrever uma poesia por dia inspirada nas manchetes de jornal.  Ah, este nosso mundo tresloucado, mutante e agonizante nos oferece inspirações. Não é preciso ir ao Monte Olimpo, conversar com os deuses, até mesmo com Éris, a deusa da discórdia, para encontrar ideias. Basta abrir o jornal, que seja em folhas ou virtual, não importa, para pinçar achados. E essa sua experiência nos trouxe belezas que vou me esforçar para trazê-las aqui, logicamente me fazendo presente em seu relato, pois ninguém consegue se ausentar de todo. E Fernando vai me ajudar!

Os sentimentos mais íntimos, quando transpostos para o papel como a dor, a decepção e as histórias, principalmente as de amor, precisam encontrar a sonoridade das palavras para se tornarem arte, uma vez que a harmonia dos sons das sílabas atrai as pessoas a pensarem no que sentem na pele.

E quando a gente pensa no que sente na pele, sente o mundo e tem vontade de conhecê-lo e transformá-lo. E como as linhas da vida nunca são retas, vamos pensando, refazendo as conexões com as palavras e as palavras sempre podem dizer várias coisas e, assim, entendendo significados entramos no âmago de ser e achamos os motivos que temos para ser.

E o mundo vai acabando todos os dias e, então, o poeta vai buscando poemas para não sucumbir ao espanto. O mundo é o tema que a gente vive. Somos impactados. Escrevemos para não morrer pelas nossas vontades e desejos não realizados. Escrevemos porque não queremos guerra; as guerras desfazem as pessoas. Na verdade e por isso queremos ser mais. Melhores. Quem não o quer ser? Quebramos todos os dias paradigmas.

E a vida de escritor é assim, vive fazendo nós em nós.  

E fazendo nós, sem mais nada a dizer, transcrevo a poesia de Thiago Davi:

Satélite da Nasa detecta 843 km² de desmatamento na Amazônia

O segredo do planeta,
Nessas horas de estresse,
é saber que o homem morre
e a mata, refloresce.

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Tereza Malcher

Tereza Cristina Malcher Campitelli

Momentos Literários

Tereza Malcher é mestre em educação pela PUC-Rio, escritora de livros infantojuvenis, presidente da Academia Friburguense de Letras e ganhadora, em 2014, do Prêmio OFF Flip de Literatura.

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