Carta para Antônia

sábado, 29 de agosto de 2015

Sempre que vou escrever uma coluna, tenho o hábito de vasculhar meus guardados. E, hoje, querendo içar ideias, encontrei uma carta que escrevi para uma prima querida no seu aniversário de oito anos.

E resolvi transcrevê-la aqui, tal qual a fiz, preservando a fonte das letras, tamanho e realce.

Antônia,

Você faz oito anos e não sei o que vou te dar de lembrança. Qualquer presente não serve. Tem que ser especial, tal como você é.

Quando fiz oito anos, ganhei uma caneta dourada. E fiquei bem convencida por tê-la. Guardei-a com cuidado. Usei-a pouco para não estragá-la. Talvez quisesse usá-la para assinar meu nome, como via as pessoas grandes fazerem. Naquela idade, ainda não tinha assinatura, apenas escrevia meu nome com a letra bem redondinha por conta da caligrafia.

Você acredita que não tive alguém que me dissesse: não a deixe dentro da caixa, use-a? E me fizesse imaginar.

Na minha escola, sabe, a imaginação era o que pouco se buscava. Ah, na aula de arte. Ali, ela existia! Mesmo que controlada pela frase: agora vamos fazer isso ou aquilo. Mas dentro disso ou daquilo, eu tinha como fazê-la despertar.

Que Sorte! Tinha avós. Com elas me sentia livre.

Na casa da vó Vera, tinha um quintal enorme e eu inventava muitas brincadeiras. Mas nunca levei a caneta dourada para lá. Eu a deixava guardada no armário. Será que foi por isso que a minha imaginação custou tanto a voar? E quando começou, querida Antônia, voou com asas curtas. E cresceu tão devagar...

Acho que só começou a encorpar quando fiquei grande e esqueci que tinha uma caneta dourada para usá-la só quando fosse grande.

Antônia, faz-se oito anos apenas uma vez na vida e não vou lhe dar uma caneta dourada.

Vou dar um caderno em branco, inclusive sem linhas. Um lápis e uma borracha. Para você, minha priminha, escrever e desenhar. Criar.  A p a g a r.  Refazer. Uma folha em branco chama sonhos. Precisa ser preenchida. Com pensamentos, vontades. Medos. Ideias do tamanho do mundo e pequenas como um grão de arroz. Assim, você terá oportunidade de registrar o que tem dentro de si. E guardar. Não dentro do armário, mas debaixo do travesseiro. Quem sabe assim, sua imaginação tenha asas bem maiores do que seus pés. 

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