Os bandeirantes fluminenses

sexta-feira, 06 de abril de 2012

Cantagalo: berço do Centro-Norte Fluminense—Parte IV

No início do século XIX, quase todo o Sertão do Macacu já se encontrava ocupado. São essas ocupações que se transformarão, ao longo desse século, em freguesias e posteriormente se desmembrarão para formar quatorze municípios do Centro-Norte Fluminense. Quando o minerador John Mawe visitou, em 1809, o arraial de Cantagalo, a mineração já era coisa do passado. Os pedidos de concessão de sesmarias (terras) para a agricultura grassavam no vale do rio Grande, do rio Negro, Paquequer, Macuco e no ribeirão das Areias, dando origem a um mosaico de propriedades. Do Alto da Serra até o distrito de Cantagalo, toda a extensão de terras já havia sido distribuída, sendo que a sesmaria de Lourenço Corrêa Dias, a fazenda do Morro Queimado, berço de Nova Friburgo, ganharia notoriedade. Nas ocupações iniciais, não havia a derrubada extensa das matas, como ocorreria alguns anos mais tarde em decorrência do plantio do café. Esses proprietários se limitavam a abrir clareira na mata para patentear sua ocupação, edificando uma modesta casa. Dedicavam-se à lavoura branca como o milho, feijão, hortaliças, além do fumo, banana, mamão, manga, laranja, alguns tubérculos e pequena criação de animais como bovinos, cabras, porcos e galinhas. Alguns sesmeiros que obtiveram terras nos Sertões do Macacu tinham excelente condição econômica. Além dos que recorriam ao expediente legal de pleitear sesmarias, os sesmeiros, havia ainda os posseiros que recorriam à ocupação clandestina, infiltrando-se sorrateiramente em lugares ermos, fazendo derrubadas e plantações ocultamente, para só depois legitimar as terras conquistadas. Ao justificar a situação de fato, declaravam ao vice-rei que já se achavam “afazendados”. A existência de posseiros, provavelmente, ocasionou sérios problemas à política fundiária da região e tensões sociais.

Os latifúndios na região provocavam a diluição da população, com distâncias imensas entre uma residência e outra, isolando os primeiros colonizadores dos Sertões do Macacu. Dirigiam-se ao arraial de Cantagalo apenas para adquirir pólvora, chapéus, tecidos, calçados, sal, ferramentas, etc, e para as festas religiosas, única forma de sociabilidade naquela época. Logo, no início do século XIX, havia no Centro-Norte Fluminense inúmeras fazendas e alguns sesmeiros (fazendeiros) provenientes de Açores, em Portugal. Os agricultores comercializavam os excedentes do milho e do feijão na Corte, juntamente com a banha, ovos, aves, madeira e fumo. Na paisagem dos Sertões do Macacu já se avistavam uma romaria de tropeiros levando essas mercadorias em suas bruacas e balaios nos lombos de burros até Porto das Caixas, onde eram baldeadas para as faluas, rumo ao Rio de Janeiro. Era o início de um intercâmbio entre a região de Cantagalo e a Corte, já que os tropeiros retornavam às montanhas com mercadorias que abasteciam o incipiente comércio local. Paulatinamente, os fazendeiros dotavam suas propriedades com olarias, moinhos de fubá e de farinha, monjolo e engenho de rapadura. Alguns já iniciavam o cultivo do café como foi o caso de Manoel José Pereira que em 1809, já possuía cinco mil pés de café. Nas três décadas seguintes, o café penetraria nos vales dos rios Grande e Negro, derrubando florestas, alastrando-se pelas encostas, substituindo as modestas residências por imensos solares, mudando o estilo de vida da elite local, onde notadamente geraria uma aristocracia fluminense, os barões do café.

No princípio do século XIX, a então Capitania fluminense possuía 11 municípios: Rio de Janeiro, Campos, São João da Barra, Macaé, Cabo Frio, Magé, Resende, São João do Príncipe, Angra dos Reis, Paraty e Santo Antônio de Sá. A partir de 1814, o príncipe regente D. João VI resolveu criar outros municípios na Capitania Fluminense, entre eles o de São Pedro de Cantagalo. Pertencendo a Santo Antônio de Sá, Cantagalo seria desmembrada e de arraial foi erigida à categoria de vila em 9 de março de 1814. Isso já denotava um progresso local. Também conhecida como Vila de Macacu, Santo Antônio de Sá nada tem a ver com a atual cidade de Cachoeiras de Macacu, que surgiria um século depois. Fundada por uma missão religiosa na segunda metade do século XVII, a povoação foi elevada à categoria de vila em 1697, para sediar o município que abrangia a Baixada Fluminense e os Sertões do Macacu. Sobre as ruínas do velho convento da outrora vila de Santo Antônio de Sá está instalado o polo Petroquímico da Petrobras.

Já podemos nos referir, a partir de então, aos Sertões do Macacu como Cantagalo. Em janeiro de 1820, ocorreria o desmembramento de parte de Cantagalo para se fundar a Colônia dos Suíços. Esse fato provavelmente foi bem aceito pelos fazendeiros que possuíam propriedades próximas à Colônia. Isso porque a localidade alcançaria o status de vila, com a formação da Câmara Municipal. Embora a Colônia dos Suíços tivesse gestão própria, o que interessava aos fazendeiros eram os pelouros de justiça instalados na vila. O “braço” da justiça era de suma importância para uma localidade, pois não necessitariam percorrer longas distâncias para obter a justiça do rei. Daí que o núcleo colonial possivelmente foi bem recebido entre os fazendeiros da região.

Janaína Botelho é professora de História do Direito na Universidade Candido Mendes e autora do livro “História e Memória de Nova Friburgo”. historianovafriburgo@gmail.com

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Janaína Botelho

História e Memória

A professora e autora Janaína Botelho assina História e Memória de Nova Friburgo, todas as quintas, onde divide com os leitores de AVS os resultados de sua intensa pesquisa sobre os costumes e comportamentos da cidade e região desde o século XVIII.

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