A ética do fazer pedagógico - Parte 4

terça-feira, 05 de julho de 2016

Há tantas boas intenções em relação à educação que a confusão dos conceitos pode levar a uma apresentação antiética, mesmo quando uma casa comercial pensa estar colaborando com a educação na volta às aulas.

Visitando um shopping encontrei a vitrine de uma loja reunindo duas ideias: a venda de roupas e a volta às aulas. Preservei o nome do shopping, da cidade e o nome da loja. Veja a imagem e, em seguida, acompanhe meu raciocínio debatendo a questão sobre a volta às aulas e preparando uma vitrine com livros que foram danificados para servir de enfeite.

Ainda afirmo que, dentro do estabelecimento comercial outros livros e arranjos com livros dobrados, sem capa e inservíveis para uma leitura após o uso estavam distribuídos pelos balcões. Vejam como uma ideia de volta às aulas acaba distorcida porque a imagem com a força maior que a palavra está afirmando que podemos inutilizar livros, apesar de estarmos em clima de volta às aulas.

Uma amiga e ex-aluna residindo em Itaqui, no Rio Grande do Sul, afirmou-me que fazem coisa semelhante, porém com revistas velhas e catálogos telefônicos.

É possível punir a loja porque danificou livros? Não. Então não se trata de uma questão moral. Trata-se, sim, de uma questão ética porque passa uma informação distorcida sobre o uso dos livros.

Ainda outra informação é possível de ser apreendida: é mais importante comprar roupas que livros; a roupa é mais importante que os livros; o importante é captar o mote do momento para vender, não importando com os estragos em relação a outros conceitos. Tudo evidencia uma questão ética.

E, como na realidade, tudo o que se faz na cidade tem uma repercussão educativa, daí o Relatório Faure de 1971, coordenado por Edgard Faure e com a colaboração, entre outros, de Felipe Herrera e Arthur Petrovsky apresentar o conceito de cidade educativa.

Neste caso podemos estar numa cidade onde as escolas cultivam a leitura e as lojas desprezam os livros. A criança é educada pelas duas instituições, sendo importante lembrar que os shoppings vivem repletos de estudantes.

A ética do fazer pedagógico não pode conviver com a incoerência e há momentos que recordo em minha vida de pedagogo nômade, palestrando pelo Brasil, algumas cenas em que os alunos, mesmo sendo “indisciplinados” estavam absolutamente dentro de uma coerência ética.

Uma escola de capital desenvolvia conceitos ligados à ecologia, à defesa do meio ambiente e os alunos faziam muitos trabalhos sobre ecologia e sustentabilidade. Mas, no ambiente interno da escola havia um viveiro de pássaros. Uma grande gaiola onde ficavam confinados para deleite dos alunos.

Em uma ocasião, um grupo refletiu sobre a questão, até em função dos trabalhos sobre ecologia e solicitou à direção a retirada do viveiro e a soltura dos pássaros. Como não foram atendidos nesta reivindicação, eles levaram alicates para a escola, cortaram as telas e soltaram os pássaros. Estavam perfeitamente coerentes com os ensinamentos da própria escola, demonstrando ter assimilado um conceito importante sobre ecologia e sustentabilidade. Foram éticos! 

E, felizmente, a escola concluiu que os alunos estavam com a razão. Fazendo referências sobre a ação concreta dos alunos que poderia ser relacionada como “danos” ao patrimônio da escola, o viveiro de pássaros foi desativado e os alunos não foram punidos disciplinarmente. Conclusão: a escola tratou a questão dentro da ética e, não, dentro da moral.

Por aí se vê que a ética é juíza da moral. E Leonardo Boff ainda acrescenta em seu livro “A águia e a galinha” que a ética é águia e a moral é galinha.

Continua na próxima semana. 

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Hamilton Werneck

Hamilton Werneck

Eis um homem que representa com exatidão o significado da palavra “mestre”. Pedagogo, palestrante e educador, Hamilton Werneck compartilha com os leitores de A VOZ DA SERRA, todas as quartas, sua vasta experiência com a Educação no Brasil.

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