A boa escola forma a consciência ecológica

quarta-feira, 07 de outubro de 2015

Se pensarmos a ecologia como um tema transversal, todas as disciplinas poderão colaborar para esta formação no decorrer dos anos letivos. Não se trataria, portanto, de um trabalho da disciplina de ciências ou biologia, mas de todos, conforme os vários enfoques indicando o quão complexa é a questão. A pior maneira de lidar com este tema é querer transformá-lo em mais uma disciplina ou querer circunscrevê-la tão-somente à biologia, como um capítulo a ser estudado em algum ano escolar.

Atividades que envolvem toda a comunidade educativa podem despertar interesse, movimentam os alunos e as famílias e despertam os mais acanhados para uma realidade. Coordenei na década de oitenta uma atividade com a colaboração de alguns professores, apelidado de “Verde Perto” por um dos mais interessados professores que lecionava geografia.

Organizamos uma competição entre todas as turmas de todas as séries do quinto ano do ensino básico até o terceiro ano do ensino médio. Objetivando envolver os alunos, professores e famílias o trabalho era iniciado com uma limpeza dentro das próprias casas, onde os filhos e pais recolhiam latas de bebidas, sacolas plásticas, garrafas de refrigerantes e outros líquidos e PETs de todas as espécies e tamanhos. As latas podiam ser vendidas, os vidros entregues para reciclagem, dado que o vidro fabricado a partir de material reciclado acaba sendo reduzido em 50% de seu custo. O mesmo acontece com as sacolas de plástico. Dentro da escala de pontos conforme o planejamento apresentado somavam-se os resultados de cada série com o objetivo de reunirmos, ao final, um grupo correspondente à lotação de dois ônibus para uma excursão orientada ao Parque Nacional do Itatiaia. 

Durante um mês este projeto envolveu toda a escola, a entrada dos alunos era um momento de descarregamento de muitos objetos dos carros dos pais que ajudavam a transportá-los. Todos estavam envolvidos, alguns professores aderiram ao projeto e solicitavam redações dos alunos, outros comentavam o que era possível nas aulas de química e biologia. Os professores de ciências e geografia faziam o mesmo. Uma professora de língua inglesa trabalhou textos nessa língua com a respectiva interpretação de texto tratando de algum assunto ecológico e sua repercussão na saúde das pessoas.

Como os temas transversais acabam desaguando em aspectos interdisciplinares e como convivíamos com uma inflação elevada, todas as arrecadações foram transformadas em divisa monetária, a moeda nacional trocada por dólares, o que motivou entre os alunos um apelido para o projeto: em vez de “verde perto”, “verdinhas perto”.

Mas nem tudo são flores. Tivemos de conviver com uma série de dissabores, sobretudo daquelas pessoas que não conseguem ver o conjunto de um trabalho e seus principais objetivos, preferindo que nada se faça para preservar, por exemplo, a beleza colonial do prédio da escola, como que maculado pelas pilhas de pets e os sacos de lata. Parece-me que alguns àquela época não viam a nobreza clássica nestas ações exatamente porque quebravam as configurações dos espaços vazios que não transmitiam ensinamentos a não ser de uma falsa nobreza distanciada da realidade da vida e do próprio ensino. Também conseguimos superar estes tipos de comportamento, seja trocando os locais do recolhimento dos materiais, embora o visual, mesmo assustador, tivesse um objetivo: chamar a atenção para a necessidade de se avaliar as questões que envolviam um cuidado ecológico maior.

Ao final, os vidros encaminhados para um asilo serviram para que aquela casa de atendimento a idosos pudesse trocá-los por máquinas de lavar roupa, compondo a lavandaria que fora construída por um clube de serviço. Tudo foi encaminhado, aproveitado e o envolvimento parecia educar pais e filhos, despertando entre os professores uma preocupação dentro das possibilidades de cada disciplina para alertar sobre o problema.

O projeto teve sua culminância com a excursão ao Parque Nacional do Itatiaia com a presença de professores e alguns pais.

Mas, para que serviria tudo isso, se nos reportarmos ao século XXI? Serviria para alertar a todos para o fato da humanidade estar consumindo mais do que a terra é capaz de produzir e para que se tome consciência dos estragos ambientais que elementos não biodegradáveis possam causar.

O cuidado que, na prática, é o desenvolvimento de uma ética do cuidado passa a ser vivenciado com essas práticas. Não se trata, apenas, de entender os problemas teoricamente e, sim, senti-los a partir da própria casa.  Afinal, ecologia vem da palavra grega “oikos” que significa, exatamente, casa. 

O mais importante, numa escola é que este tipo de projeto vivenciado a cada dia faz ressurgir o sentido mais antigo de escola, nome de origem grega, “scolé” que nada tem de semelhante com as nossas escolas. “Scolé” na língua grega antiga significa lugar do sonho e, provavelmente, muita coisa não seja feita dentro das escolas pela perda desse sonho vivificador.

 

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Hamilton Werneck

Hamilton Werneck

Eis um homem que representa com exatidão o significado da palavra “mestre”. Pedagogo, palestrante e educador, Hamilton Werneck compartilha com os leitores de A VOZ DA SERRA, todas as quartas, sua vasta experiência com a Educação no Brasil.

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