Momentos de glória

terça-feira, 26 de julho de 2016

Não duvido que haja algum leitor morrendo de tanta inveja que nem consiga continuar a leitura

O que conta são os momentos de glória, é ou não é? Não fosse eu um sujeito modesto, sairia por aí contando uns casos. Por exemplo: certa madrugada uma voz melosa telefona para a minha casa e começa a elogiar meu desempenho na noite anterior. Eu já estava me sentindo o verdadeiro Michael Douglas, ou quem seja o garanhão do momento em Hollywood, quando acabei de acordar e me dei conta de que a única pessoa que poderia opinar sobre o meu desempenho na noite anterior estava dormindo do outro lado da cama.

Até me senti tentado a acordá-la para confrontar a opinião dela com a de Voz Melosa, mas desisti. Não que eu tivesse tanto medo da nota que iria receber, mas, sei lá, mulher acordada assim de madrugada para responder besteira pode dizer qualquer coisa! E se ela me desse um zero, só de raiva? Nunca mais que eu me recuperava de um trauma desses.

Viver de ilusão pode ter suas vantagens, mas acabei optando por acender a luz e enxergar a realidade. E já ia dizer a Voz Melosa que ela tinha ligado para o homem errado, quando ela suspirou, apaixonada: “Ah, Oliveira, você é o máximo!”

Eu nunca usei pseudônimos e, se usasse, não creio que escolhesse Oliveira. Pseudônimo tem que ser marcante, tem que dizer de cara a que veio quem o adotou. Não era o caso, e tudo se encerrou com um duplo “boa noite” mal humorado.

Mas eu ia contar as minhas glórias e acabei falando de um fracasso. Porque, é claro, não era a mim que Voz Melosa estava elogiando. Voltei a dormir, resmungando contra as pessoas que falam ao telefone sem saber quem está do outro lado da linha, e maldizendo as mulheres, que fazem a gente se imaginar um imbatível Michael Douglas e depois deixam a gente se sentindo um Oliveira qualquer.

Mas nem tudo são fracassos. Já lhes conto como conheci Leonel Brizola e, a bem da verdade, direi que a iniciativa do nosso encontro partiu dele, e não de mim. Ora, estava eu posto em sossego quando o então candidato a governador veio fazer um comício em Nova Friburgo. De repente, o homem se viu cercado por um bando de bêbados. Brizola estava chegando para um almoço numa escola de samba e é possível que os bêbados, mais do que votar nele, estivessem querendo almoçar de graça.

Nunca é bom confiar nessa gente, não tem nada mais falso no mundo do que eleitor. Depois que inventaram esse negócio de voto secreto então, ficou um horror. O cidadão se candidata a vereador, tem a promessa de dois, três mil votos e na hora em que a urna é aberta, o que aparece? Uns 80, 100 votinhos mixurucas. Sou de opinião que o voto secreto é a maior falsidade que existe, tanto assim que é o preferido na Câmara e no Senado.

Creio que Brizola ficou assustado com o alto teor alcoólico das conversas que puxaram com ele. Talvez temesse um atentado terrorista, porque, se alguém acendesse um fósforo nas proximidades, não havia como evitar uma explosão, com mortos e feridos. Então, olhando através das ondas etílicas que o envolviam, o candidato viu um sujeito que, embora insignificante, parecia estar sóbrio. E foi assim que ele partiu em minha direção e veio puxar conversa comigo.

E agora, estão convencidos da minha importância? Pois conto-lhes mais. Vocês podem não acreditar, mas, num sábado longínquo, porém nunca esquecido, toquei o piano com Miguel Proença. Ah, ah!, por essa vocês não esperavam, heim?

Não duvido que haja algum leitor morrendo de tanta inveja que nem consiga continuar a leitura. Pois bem, vou lhes explicar tudo direitinho. Passei à tarde pelo Centro de Arte para apanhar ingressos para o recital que o Miguel (já posso tratá-lo com essa intimidade) daria à noite. Nesse momento, o grande pianista estava lá dentro, testando o piano. Tendo concluído que ele estava desafinado, resolveu substitui-lo por outro, que estava no canto oposto do palco. Modestamente, começou ele mesmo a empurrar o instrumento e, com um gesto, me pediu ajuda.

Em muitas coisas na vida me considero um carregador de piano, mas a verdade é que detesto fazer força e carregar peso. Aquele, no entanto, era um momento de glória, que eu não podia perder. Consciente da grandeza do instante, juntei-me ao renomado concertista e ajudei-o a tocar o piano para fora do palco.

Foi um dueto inesquecível para mim, mas o Proença, ingrato, é bem capaz de já ter esquecido o quanto eu contribuí para os calorosos aplausos que, à noite, ele recebeu da plateia.

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Robério Canto

Escrevivendo

No estilo “caminhando contra o vento”, o professor Robério Canto vai “vivendo e Escrevivendo” causos cotidianos, com uma generosa pitada de bom humor. Membro da Academia Friburguense de Letras, imortal desde criancinha.

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