Bom cabelo e a arte de permanecer jovem

terça-feira, 05 de julho de 2016

...no entanto lutamos mal rompe o primeiro fio de cabelo branco

Até pouco tempo atrás, quando eu ouvia dizer que alguém tinha feito 40 anos, ficava até com pena do pobre velhinho. Outro dia, no entanto, ao saber que uma pessoa de 50 reclamava do excesso de trabalho, comentei: “Mas tão jovem ainda!” Sim, o tempo é um cruel par de óculos que, enquanto nós mesmos vamos envelhecendo, faz tudo mais rejuvenescer diante de nossos olhos.

Tom Jobim, quando já não era mais nenhum garoto de Ipanema, viu passar um grupo de moças lindas e suspirou, melancólico: “Essas garotas estão ficando cada vez mais jovens”. O que lembra aquela história de Millôr Fernandes em que o leão sai pela floresta perguntando quem é o rei dos animais. Interroga vários deles e todos, com medo, respondem que é o leão.

Ao ser questionado, o elefante pega o pretenso rei pela tromba e o atira longe. Caído e estropiado, o leão comenta: ’Não precisava ficar zangado só porque não sabia a resposta”.

Sim, é duro admitir uma verdade que nos é dolorosa. Bem fazem certas senhoras que se recusam a envelhecer e, caso sejam obrigadas a encarar o espelho, ficam revoltadas com a má qualidade dos espelhos nacionais, que sempre distorcem a realidade e as fazem parecer abatidas e enrugadas.

Eu mesmo conheci uma dessas. Na ocasião, eu mal era um adolescente e ela já era bem uma senhora. Pois acreditem que, quando nos encontramos, bons anos depois, já estávamos com a mesma idade!

Eu estava presente quando uma delas foi entrevistada por um repórter que teve o mau gosto de perguntar-lhe a idade. Depois de alguns segundos de vacilação e reflexão, respondeu que 45. O filho dela, entrevistado em seguida, declarou estar com 38. A mãe ficou muito brava e com toda razão: “Você tinha que ter feito um desconto de pelo menos 15 anos! Desse jeito, daqui a pouco você vai estar mais velho do que eu!”

Parodiando o poeta, reconheçamos que lutar contra o tempo é a luta mais vã, no entanto lutamos mal rompe o primeiro fio de cabelo branco.  Na minha infância, havia um rapaz conhecido em todo o bairro como Bom Cabelo, posto que, sendo, como se diz atualmente, afrodescendente, ostentava fios mais lisos e claros que os do nosso vizinho, o louro Alemão Batata, apelido que é autoexplicativo. Um dos dilemas que o bom cabelo de Bom Cabelo criava para nós era adivinhar-lhe a idade.

As opiniões variavam de 25, por causa dos cabelos, a 60, por causa da cara já um tanto avariada. Sendo nosso herói bom de cabelo e também bom de briga, na sua presença todos o tratavam como um garotão. Pelas costas, dizia-se que a maior parte de suas manhãs era gasta no banheiro, na árdua tarefa de manter a aparência juvenil a poder de tinturas, pentes e escovas.

Mas eis que o homem fica doente, baixa hospital por dois meses, tempo suficiente para que audaciosos fios brancos começassem a brotar aqui e ali. Médicos e enfermeiros cuidaram do corpo, e até um religioso apareceu por lá para curar-lhe a alma. Mas ninguém se preocupou com o que realmente interessava ao paciente: os cabelos negros como a noite que não tem luar ou como as asas da graúna, com licença de Cascatinha e Inhana e José de Alencar.

E se alguém o visitava e tinha a indelicadeza de vaguear os olhos por sua cabeça, Bom Cabelo se apressava em esclarecer: “Um dia de hospital é mais que um ano. Eu, tão jovem, e já com os primeiros fios brancos aparecendo! Mas tenho fé que, me livrando dessa remedaria, meus cabelos voltarão naturalmente à cor original”.

Bom Cabelo, a seu modo, repetia a atriz Lucille Ball, que conhecia a verdadeira forma para não envelhecer: “O segredo para se manter jovem é viver com honestidade, comer lentamente e mentir a idade”.

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Robério Canto

Escrevivendo

No estilo “caminhando contra o vento”, o professor Robério Canto vai “vivendo e Escrevivendo” causos cotidianos, com uma generosa pitada de bom humor. Membro da Academia Friburguense de Letras, imortal desde criancinha.

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