Seriam os juízes deuses?

quinta-feira, 09 de abril de 2015

Em 1968, o suíço Erich von Däniken escreveu uma famosa obra intitulada “Eram os deuses astronautas?”, onde discutia a possibilidade de as antigas civilizações terrestres serem fruto de alienígenas. Ele dizia que esses “extraterrestres” eram considerados divindades pelos antigos povos; daí o título do livro.

Só que o suíço não contava com uma outra classe de “deuses” brasileiros: os magistrados. Não, não vamos citar os juízes que mandam prender agentes de trânsito porque foram multados ou os juízes que andam em carros milionários apreendidos ou aqueles magistrados que assediam servidores e estagiárias... Vamos falar é das benesses. E os magistrados que estão espalhados por todo o país não podem sequer ser culpados pelas infinitas mordomias, porque elas são como o maná: simplesmente caem do céu. Ou do STF, o que dá quase na mesma, em se tratando do Olimpo jurídico em que se encastela a casta de ministro-mor indicada politicamente pelo governo...

A população já conhece algumas vantagens de um magistrado, como ter 60 dias de férias por ano ou possuir um séquito de assessores, secretários, assistentes e estagiários para fazer o seu trabalho, o que ocorre na maioria dos casos, com raras exceções. Raríssimas.

Ocorre que, não satisfeito, o Panteão, digo, o STF está discutindo uma nova lei que regulamenta o exercício da magistratura. Aí, quando a gente pensa que a coisa vai moralizar, o Supremo apresenta um projeto que prevê mais benesses para quem já está no topo salarial do funcionalismo público:

  • Auxílio-alimentação de 5% do subsídio. Um juiz de primeiro grau ganha hoje de subsídio cerca de R$ 31.000,00; logo, este auxílio seria de uns R$ 1.550,00. Desembargadores ganham mais. Alguns deles, muito mais.
  • Auxílio-transporte (mais 5% do subsídio - R$ 1.550,00)
  • Auxílio-creche (mais 5% do subsídio por filho - R$ 1.550,00 por filho)
  • Auxílio-educação (mais 5% do subsídio - 1.550,00 por filho)
  • Auxílio-plano de saúde (10% do subsídio para o magistrado e sua mulher e mais 5% do subsídio para cada um dos seus dependentes). Um casal com dois filhos receberia mais uns R$ 6.200,00.
  • Ajuda de custo para capacitação, mensal, de 10% (mais R$ 3.100,00) nos casos de instituições situadas no Brasil, e de 20% (mais R$ 6.200,00) quando o curso for no exterior.
  • Indenização de permanência ao juiz que completar tempo para aposentadoria, mas permanecer trabalhando (mais 5% por ano de serviço excedente, até o limite de 25% do subsídio, ou seja, mais uns R$ 8.000,00).
  • Prêmio por produtividade pago ao magistrado uma vez por semestre, em janeiro e em agosto de cada ano, se bater meta, no valor de um subsídio a mais por semestre, ou seja, a cada seis mese,s mais R$ 31.000,00 extras.
  • Adicional por prestação de serviços de natureza especial por participar de mutirões de conciliação, treinamentos, projetos sociais ou fiscalização de concursos públicos. Valor a ser definido livremente por cada Tribunal.
  • Há, ainda, o famoso auxílio-moradia regulamentado pelo CNJ, no valor de R$ 4.300,00 por mês, mesmo que o juiz more ao lado do fórum e mesmo que o juiz tenha casa própria.

E temos as prerrogativas:

  • Não ser preso senão por ordem escrita do tribunal ou do órgão especial.
  • Ainda que cometa crime inafiançável, magistrado não será levado à delegacia de polícia.
  • Não ser indiciado em inquérito policia
  • Só pode ser interrogado por magistrado de instância igual ou superior, ainda que integrante ou designado pelo CNJ. Assim, como o CNJ é formado por magistrados, advogados, promotores e representantes da sociedade, somente os conselheiros que forem magistrados poderão julgar acusados magistrados, numa espécie de reserva de mercado. Ou corporativismo.

Além disso, se o juiz for removido para outra sede terá licença de 10 a 30 dias. Se fizer algo de errado, tem como pena máxima administrativa a aposentadoria, continuando a receber do Estado. E criaram ainda uma regra que seria hilária, se não fosse paga com o nosso suado dinheiro: a já apelidada “licença-sofrência”: se o magistrado se separar do cônjuge, terá direito a uma licença remunerada para se recuperar, ou para festejar, dependendo do cônjuge.

E como o espaço não nos permite elencar as demais vantagens, vamos só lembrar que eles continuarão tendo 60 dias de férias com a nova lei, só que em vez do acréscimo do famoso “terço de férias” dos reles mortais, as férias deles serão acrescidas de um subsídio inteiro extra, ou seja, mais uns R$ 31.000,00.

E o Erich von Däniken, o que tem a ver com isso? Nada, mas se ele tivesse nascido brasileiro, saberia que os deuses não usam astronaves, mas togas...

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Alzimar Andrade

Alzimar Andrade

Alzimar Andrade é Analista Judiciário do Tribunal de Justiça, Diretor Geral do Sind-Justiça e escreve todas as quintas-feiras sobre tudo aquilo que envolve a justiça e a injustiça, nos tribunais e na vida...

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