E o corporativismo? Vai bem, obrigado...

quinta-feira, 16 de julho de 2015

Há poucos dias, em entrevista a um site especializado, a Corregedora Geral do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro rejeitou as críticas de que o TJ-RJ é corporativista na hora de julgar seus juízes. Ela afirmou: “O Órgão Especial tem atuado com rigor sempre quando é o caso”.  Só que desta vez, não foi o caso. Ou então seus colegas de toga não leram a sua entrevista.

No início do ano, o Sind-Justiça, Sindicato dos Servidores do Poder Judiciário, apresentou denúncia à Corregedora contra um juiz do interior do Estado, com acusações de assédio moral e sexual. A Corregedora fez a sua parte, apurando os fatos e levando ao conhecimento do Órgão Especial do Tribunal.

Nos depoimentos colhidos, sobraram pérolas como: ele tocava as estagiárias; pedia beijos e “cheiros”, aproveitando-se de sua posição de juiz; constrangia as estagiárias com sucessivas cantadas para sair; as estagiárias tinham medo dele; uma declarou que precisava correr dele no cartório, tendo que se socorrer de outras servidoras para não ser assediada; outra precisava vigiar sempre pra não se ver sozinha com ele na sala; o magistrado pediu fotos de biquíni de uma estagiária; comentou sobre a marca da calcinha de outra, chamou outra pra viajar sozinha com ele e diversos depoimentos de outras pessoas afirmando que todos sabiam que o magistrado “dava em cima” das estagiárias. Além disso, o juiz jogava processos ao chão para que os servidores recolhessem, deixava servidores sem almoço ou então até altas horas da noite e ameaçou prender um eletricista se este não fosse imediatamente religar o disjuntor da sua casa, dentre outras atrocidades que envergonhariam qualquer outro magistrado, pelo desserviço prestado à imagem da classe. Envergonhariam? Mesmo?

Além disso, foi anexado ao processo uma extensa denúncia da OAB local, com diversos e graves relatos de que o magistrado faltava ao respeito com advogados, mas a denúncia, assinada por diversos advogados da Comarca e de comarcas vizinhas, foi retirada pela OAB antes mesmo do julgamento. Tá.

Em sua defesa, o magistrado apresentou... planilhas! Isso mesmo. Planilhas e mais planilhas que mostram a sua “produtividade”. Ou seja, para se defender das acusações de assédio moral e sexual, ele provou que produz, que prolata sentenças. E, pior: a estratégia colou. Ele chegou a ser defendido publicamente por alguns desembargadores, quiçá ovacionado. Eu, particularmente, fiquei aguardando a hora em que um deles iria às lágrimas por aquele pobre juiz, vítima da sociedade, soterrado por trabalho e ainda assim acusado injustamente só porque quis se aproveitar do cargo para assediar umas estagiariazinhas e humilhar uns servidorezinhos. Um dos desembargadores, do alto de sua lógica produtivista/corporativista, declarou em alto e bom som que um juiz com tal produtividade não deveria ser objeto de denúncias, mas de elogios. Opa! Outros se sucederam na fervorosa defesa, lembrando que o magistrado prolatava uma média de 260 sentenças, o que, segundo ele, era muito relevante. Se ele assedia estagiárias e servidores, se age como o xerife da cidade, se é arrogante, se possui um histórico de assédio em todos os lugares por onde passou (até da Bahia, onde ele trabalhou antes de ser juiz no Rio, chegou correspondência, relatando um passado dos mesmos abusos praticados pelo sujeito, o que não foi levado em conta por seus pares).

Ficam algumas perguntas: será que se a filha de um deles fosse estagiária desse indivíduo, eles fariam essa defesa fervorosa às investidas imorais do magistrado? Será que o magistrado que prolata muita sentença ganha automaticamente um salvo-conduto pra assediar quem ele quiser, impunemente? Será que assediar adolescentes faz parte das atribuições do juiz? Eu e você podemos achar que não, mas alguns desembargadores pensam diferente.

O presidente do Tribunal, que comandava a sessão, ainda tentou moralizar a situação, insistindo que eventual produtividade não dá poder ao magistrado de jogar processo no chão pra servidor pegar e muito menos poder para assediar ninguém, mas não adiantou. O corporativismo falou mais alto. Por 14 votos a 10, o juiz foi absolvido.  Um dia de tristeza para a justiça. Mais um dia triste para a justiça.

A saída agora é o CNJ (Conselho Nacional de Justiça), órgão criado para que decisões teratológicas como essa, que revelam o quanto o corporativismo está arraigado no seio da justiça, não mais aconteçam. E o Sind-justiça já está providenciando isso, para que seja anulada essa decisão estranha, confiando que no CNJ, composto não somente por juízes, mas por outros elementos mais imparciais da sociedade, a justiça seja feita. E isso tem que acontecer, porque a estagiária podia ser a minha filha... ou a sua... ou a dos desembargadores que absolveram sumariamente o sujeito só porque ele dá sentença. E a filha de ninguém tem que passar por isso.

Corporativismo. Este é o nome do que sobrou nesta história. Vergonha. Este é o nome do que faltou. E faltou muito.  

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Alzimar Andrade

Alzimar Andrade

Alzimar Andrade é Analista Judiciário do Tribunal de Justiça, Diretor Geral do Sind-Justiça e escreve todas as quintas-feiras sobre tudo aquilo que envolve a justiça e a injustiça, nos tribunais e na vida...

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