Carta aberta ao MP do Estado do Rio de Janeiro

quarta-feira, 22 de junho de 2016

Caro MP (Caríssimo, se levarmos em conta a relação custo x benefício...)

Não deve ser de seu conhecimento, mas estamos vivendo uma crise sem precedentes aqui no estado. Crise financeira e, sobretudo, moral. Como o MP parece não acompanhar os últimos acontecimentos, vamos colocá-lo a par, em apertada síntese:

Escolas e hospitais abandonados, há desvio de recursos, falta de segurança, propinas, UPAs fechadas, superfaturamentos, falta de medicamentos, roubalheira, quebra do Rio Previdência, malversação de verbas públicas, má gestão, esquemas fraudulentos, cabide de empregos, corrupção e servidores sem receber. Tudo junto.

A bem da verdade, o único setor que vai "muito bem, obrigado!" é o das empreiteiras, que, milagrosamente, não sofrem atrasos nos seus pagamentos, são beneficiadas com aditivos e mais aditivos em seus gordos contratos e, veja só, antes mesmo da olimpíada, o Rio já recebeu um prêmio: graças às obras superfaturadas, o dono de uma empreiteira ingressou no seleto grupo de bilionários da Bloomberg. Você não imagina o que sente cada cidadão fluminense ao saber que contribuiu efetivamente para isso. Não. Não é orgulho. Vergonha define melhor.

      E enquanto (mais) um empreiteiro fica bilionário, a segunda metade do décimo terceiro de 2015 dos servidores estaduais foi pago em intermináveis cinco parcelas e, do pagamento de maio, os servidores só viram até agora uma espécie de esmola de R$ 1 mil mais a metade do salário, ficando o resto para ser pago em... Ninguém sabe!

Cronologicamente, deveríamos começar esta narrativa pelas isenções fiscais de R$ 180 bilhões, ou antes ainda, com as maracutaias de sucessivas quadrilhas (ou governos, tanto faz) que (pasme!) não foram investigadas por ninguém. E quando a gente diz ninguém, é ninguém mesmo, se é que você nos entende, Ninguém...

Pois bem. Neste contexto caótico, o governo (você não vai acreditar, de tão surreal!) decretou estado de "calamidade financeira", baseado em... Ninguém sabe, já que a Constituição não prevê esta figura jurídica teratológica. O governo federal, que deve ter uma Constituição própria, mandou de presente R$ 2,9 bilhões. Alívio para os servidores? para a população? Que nada...

Alívio para as empreiteiras, que nem precisavam. E a verba já tem o destino de sempre: roubalheira, desvio, propina, superfaturamento, malversação, esquemas fraudulentos e, com o que sobrar, se sobrar, olimpíada. Havia a intenção de desviarem, ops, investirem mais meio bilhão de reais na linha 4 do metrô, a mesma que já consumiu R$ 19 bilhões para funcionar por míseros 16 quilômetros, mas isso foi descartado pelo governo federal. Terão que forjar outro esquema, quer dizer, outro projeto para arrancar esse dinheiro de alguém. E esse alguém somos nós, claro. Ah, se o MP soubesse disso antes...

Nesse ínterim, descobriu-se (não, não foi o MP que descobriu!) que o governo desconta o empréstimo consignado dos servidores, mas não repassa aos bancos, devendo até agora R$ 500 milhões aos banqueiros. Além disso, mesmo em meio à crise, o governo reformou a piscina do palácio e tentou comprar um kit "comida de rico", com itens que o povo (que paga a conta) nunca viu nem comeu, só ouve falar, como framboesa, mirtilo, cherne, robalo, salmão, filé mignon, picanha, alcatra e seis mil cápsulas de café compatíveis com máquinas de café expresso, para "atender às necessidades dos gabinetes do governador Dornelles e dos secretários".

O governo só desistiu da licitação porque o MP, enfim, acordou, agiu e impediu esta ofensa ao povo, em nome da moralidade... rs... brincadeira. Você sabe. Na verdade, o governo só voltou atrás por causa da pressão provocada pela indignação dos servidores. A mesma indignação que deveria permear a atuação do MP o tempo todo.

A pergunta que queremos fazer é: agora que o MP sabe o que acontece fora das suas salas suntuosas e refrigeradas, será que poderia fazer alguma coisa para ajudar a população? Quem sabe uma ação judicial, uma investigação, uma denúncia à Justiça, uma interpelação, um Termo de Ajustamento de Conduta, uma condução coercitiva, uma ameaça de prisão, uma conversa, um pedido... sei lá... qualquer coisa que faça o governo parar de nos roubar, porque estamos cansados... muito cansados...

Se vocês não fizerem nada, acabará sendo reeditada aqui a queda da Bastilha. Lembra? Foi quando o povo francês se rebelou e acabou decapitando alguns nobres? Pois é. Já temos por aqui a casta de nobres (agora eles são chamados de políticos), o pão, o circo, a impunidade e o povo enfurecido. Está nas mãos do MP evitar que isto incendeie, porque aí a coisa pode fugir ao controle, já que ninguém aguenta mais tanta roubalheira e impunidade... Aliás, o único que parece não se importar com este caos é o MP, que não age, não reage, não interage... Pelo contrário: retroage, quando deveria avançar sobre essa horda de canalhas que saqueia o estado e transforma a vida do cidadão honesto e trabalhador num inferno!

Cidadãos do Rio de Janeiro

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Alzimar Andrade

Alzimar Andrade

Alzimar Andrade é Analista Judiciário do Tribunal de Justiça, Diretor Geral do Sind-Justiça e escreve todas as quintas-feiras sobre tudo aquilo que envolve a justiça e a injustiça, nos tribunais e na vida...

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