Tiradentes, Mão de Luva e Cantagalo

Entrevista com a autora e professora Janaína Botelho sobre um dos principais personagens da história do país e o contexto sócio-geopolítico-econômico da região à época
domingo, 19 de abril de 2015
por Jornal A Voz da Serra
Janaína Botelho (Amanda Tinoco/A Voz da Serra)
Janaína Botelho (Amanda Tinoco/A Voz da Serra)

Janaína Botelho é professora de História do Direito na Universidade Candido Mendes, autora do livro “História e Memória de Nova Friburgo” e colaboradora do jornal A Voz da Serra, onde assina a coluna História e Memória, publicada às quintas-feiras. Em seu blog publica artigos baseados em suas pesquisas, trabalho ao qual se dedica há décadas. Sendo uma autoridade em sua cátedra, não poderíamos deixar de recorrer aos seus conhecimentos quando homenageamos um dos principais personagens da história do país — Tiradentes —, tendo como pano de fundo a situação sócio-geopolítica-econômica desta região, na época da Conjuração Mineira.

Light: Qual era o panorama sócio-geopolítico-econômico do Centro-Norte fluminense na 2ª metade do século 18?

Janaína Botelho: Cantagalo, Nova Friburgo, Bom Jardim, Carmo, Sumidouro, São Sebastião do Alto, Itaocara, Macuco, Duas Barras, Santa Maria Madalena, Trajano de Moraes, entre outros, integram, hoje, os 14 municípios do Centro-Norte fluminense. No Brasil-Colônia era uma região denominada de Sertões do Macacu, coberta de ipês, sanandus, quaresmeiras, ibirapitangas, perobas, massarandubas, braúnas, sucupiras, tapinoãs, aroeiras, jequitibás e cedros, que futuramente iriam encher os vagões de trem levando essa madeira para a Corte Imperial. Os Sertões do Macacu pertenciam ao município de Santo Antônio de Sá, conhecido como Macacu. Essa região seria ocupada por homens brancos somente no último quartel do século 18. Antes disso, era habitada por índios das tribos Coroados, Puris e Coropós e como dizia na carta geográfica elaborada em 1767, “Sertão ocupado por índios brabos”. 

O que atraiu o homem branco para essa região?

As primeiras ocupações pelos brancos devem-se à procura do ouro nos afluentes dos rios Grande, Negro e Macuco que recortavam os Sertões do Macacu, cujos garimpeiros eram originários de Minas Gerais. Essa região estabeleceria vínculos comerciais bem estreitos com Minas Gerais ao longo do século 19, encetando inclusive a imigração de muitos fazendeiros mineiros dos Sertões do Leste, da Zona da Mata mineira, para os Sertões do Macacu. Nesses sertões surgiria o primeiro povoamento, o arraial de Cantagalo, que acarretou outros povoamentos.

Ainda no século 18, que mudanças a chegada do homem branco provocou na região? 

De relevante mesmo, na segunda metade desse século, o Rio de Janeiro foi elevado à capital do Vice-Reino, em 1763. Logo, o deslocamento da estrutura administrativa da Bahia para esse município sinalizou que os sertões seriam explorados graças à proximidade do centro administrativo colonial. Não bastasse isso, a fronteira com Minas Gerais foi igualmente um componente significativo para seu iminente desbravamento. Apesar de o governo de Portugal ter sempre estimulado a penetração pelo interior do Brasil, a exemplo dos bandeirantes, no caso dos Sertões do Macacu, essa região foi oficialmente interditada para que através dela não se evadisse o ouro extraído clandestinamente. No entanto, com a queda acentuada da produção do ouro em Minas Gerais, com as jazidas se exaurindo no último quartel do século 18, houve uma evasão migratória que culminou com a infiltração de garimpeiros de Minas Gerais para as regiões até então interditadas, como os Sertões do Macacu. 

Quais foram as consequências da vinda desses novos garimpeiros?

Os Sertões do Macacu começaram a ser invadidos por bandoleiros e garimpeiros em busca de novas lavras de ouro. As autoridades mineiras se descuidaram da vigilância, o que permitiu a entrada de garimpeiros na Zona da Mata, que se dirigiram para a região fluminense. Em seguida, um grupo de garimpeiros invadiu os Sertões do Macacu, aproximadamente em fins da década de 1770, sob a liderança de Manoel Henriques, conhecido pela alcunha Mão de Luva. Mergulharam suas bateias nos córregos São Pedro, Lavrinhas e depois nos rios Negro e Macuco, acreditando ter encontrado um Eldorado nas montanhas fluminenses. Formou-se, por conseguinte, um arraial clandestino naqueles sertões.

Como a Coroa Portuguesa reagiu a essa situação?    

A Coroa Portuguesa já estava combalida com o esmaecimento das jazidas de Minas Gerais. Então, determinou enérgica repressão, com a ocupação imediata do arraial e a prisão de seus líderes, tudo a cargo do Regimento de Dragões de Vila Rica e de tropas auxiliares de Minas Gerais. Às tropas fluminenses coube patrulhar o litoral e a Serra do Mar, impedindo a evasão dos garimpeiros ante o avanço da polícia mineira. Então, urgia prender Mão de Luva e todo o seu bando. 

Conta-se muitas histórias sobre o Mão de Luva. O que você pode nos contar sobre o assunto?

De acordo com a tradição oral, dois soldados foram para aqueles sertões disfarçados de mascates, carregados de toucinho e cachaça, acompanhados por oito escravos, com destino ao arraial do bando de Mão de Luva. O objetivo era estimular o consumo do álcool entre os bandoleiros para debilitar a vigilância, o que, de fato, conseguiram. As tropas mineiras invadiram o arraial e renderam o bando. Agora, com esse episódio surgiu a lenda da origem do nome de Cantagalo. As tropas do governo teriam tido dificuldade em localizar o sítio onde os bandoleiros exploravam o ouro. A patrulha estava prestes a ir embora quando o canto de um galo denunciou a presença de indivíduos nas imediações, e pelo canto do galo se orientaram chegando ao arraial. Daí a origem do nome: São Pedro de Canta Galo. 

Mas a busca pelo ouro continuou... 

Depois da prisão do bando de Mão de Luva, o Vice-Rei D. Luiz de Vasconcelos e Souza determinou a ocupação daqueles sertões e passou a distribuir sesmarias (terras) ao longo dos rios Negro e Grande aos vassalos interessados na exploração do ouro. O Centro-Norte fluminense, ou melhor, Os Sertões do Macacu, seriam povoados, oficialmente. Os pretendentes às sesmarias e exploração legal do ouro deveriam habitar a região e possuir uma boa escravaria, condição essencial para obtenção de terras. Uma guarnição militar foi instalada no local para coibir eventuais extravios, bem como três registros fiscais: dois na serra (Boca do Mato), um no alto da serra nas Águas Compridas e um na travessia do Rio Grande (Riograndina). Nesses registros seriam cobrados os direitos de entrada de escravos, animais e mercadorias. Tinham, por outro lado, a finalidade de proteger a vida e a tranquilidade dos viajantes e tropeiros que circulariam pela região. Cuidou-se igualmente da abertura de caminhos para facilitar o acesso às novas minas e o escoamento da futura produção local. 

E havia mesmo tantas jazidas por aqui?

Os primeiros anos nos Sertões do Macacu foram de euforia, imaginando-se encontrar jazidas fartas nos rios Negro, Grande e dos Macucos. Os contemplados com as sesmarias, em 1787, para elas se dirigiram no maior entusiasmo. No entanto, logo perceberam que as minas não eram tão ricas como a Coroa anunciara. As novas minas de Cantagalo sempre foram deficitárias e em 17 anos de mineração oficial, somente deram prejuízo. Então, a Coroa Portuguesa desat, permanecendo apenas a Casa de Registro, e deixou correr livre a faiscagem na área. A frustração foi tamanha que muitos mineradores abandonaram o garimpo. Outros, porém, resolveram dedicar-se à agricultura, requerendo sesmarias para nelas aplicarem seus capitais e escravos, que não podiam permanecer ociosos. O governo, por outro lado, obrigava os mineiros ou faiscadores a cultivar café, açúcar e a criação de gado nas sesmarias.

Como termina essa história?

As novas minas dos Sertões do Macacu foram definhando no decorrer dos últimos anos do século 18, para se extinguir no século seguinte, por volta de 1820. Esse episódio frustrou D. Luiz de Vasconcellos e Souza, sob cujo governo ocorreu a ocupação dos Sertões. A Metrópole (Portugal), sempre ávida por metais preciosos na colonização exploratória, frustrou-se pelo fato de o Brasil não lhe ter dado o ouro e a prata que a sua rival Espanha arrancava de suas colônias. O sonho de uma nova Vila Rica nos Sertões do Macacu, como ocorreu em Ouro Preto, se esvaeceu. Fim da história.

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