Sete anos depois, pixoxó reaparece nas matas de Nova Friburgo

Pássaro em extinção foi visto em Baixada de Salinas depois que o bambu taquara floresceu
sexta-feira, 07 de abril de 2017
por Alerrandre Barros

Aos 78 anos, Bartolomeu Schuenck sobe o morro pela segunda vez para mostrar a taquara. Com pique de um adolescente, vai abrindo caminho na mata, enquanto aponta para plantas medicinais e fala da vida tranquila que leva em Baixada de Salinas, zona rural de Nova Friburgo. Ele e o irmão, Tadeu Luis Tardem, 74, procuram a espécie de bambu fino, onde o pixoxó, chanchão, cacatau ou estalador costuma se alimentar e fazer ninhos. O pássaro reapareceu em grupos de centenas, na região de São Lourenço, no mês passado.

“Eu não via o pássaro há uns sete anos. Eram milhares, voando no céu e espalhados no pasto. Cantam que é uma beleza. Não têm medo quando a gente se aproxima deles. Mas agora muitos já foram embora, porque o verão já acabou. Vocês deveriam ter vindo antes, porque só deve ter alguns que se perderam do bando”, disse Seu Tadeu.

O pixoxó (Sporophila frontalis) é natural da Mata Atlântica e vive migrando em grandes grupos, da Bahia ao Rio Grande do Sul, em busca das sementes da taquara, planta nativa da América do Sul usada na confecção de esteiras, balaios e até flautas. Segundo o médico veterinário André Bohrer Marques, como a espécie do bambu não tem um ciclo reprodutivo regular, que pode variar de cinco até 30 anos, o pássaro some de algumas regiões porque acompanha a floração da taquara.

“Por causa disso, eles desaparecem por anos e retornam de montão de tempos em tempos. A última temporada de pixoxó que me recordo aqui em Nova Friburgo foi nos anos de 2006 e 2007. Eles apareceram em grande número em Mury e no Cônego. Agora, voltaram a reaparecer em Salinas”, disse o veterinário, que também é doutor em Ecologia e Recursos Naturais pela Universidade Estadual do Norte Fluminense (Uenf) com tese sobre aves canoras.

Parente do coleiro, curió, baiano, estrelinha, caboclinho, o pixoxó possui hábito alimentar granívoro, mas também come pequenos insetos, como aranhas, por exemplo. Apesar de viver em bandos, no período reprodutivo o casal, se distancia do grupo ao qual pertence e constrói o ninho em taquarais ou arrozais. Cada ninhada geralmente tem entre dois e três ovos, tendo de duas a quatro ninhadas por temporada. Os filhotes nascem após 13 dias.

A espécie mede cerca de 12,5 centímetros de comprimento e pode pesar 21 gramas. A plumagem varia na cor verde-oliva claro ou bege nas partes superiores, branco amareladas nas asas e tons mais escuros na testa. A garganta é esbranquiçada, principalmente nos machos adultos. O canto do pássaro se assemelha a um forte pulso elétrico, por isso, a espécie também é conhecida em regiões do país como estalador.

O pixoxó é raro e consta como vulnerável na Lista Vermelha das Espécies em Extinção. Para Bohrer Marques, isso decorre da captura para engaiolamento, devido ao canto do pássaro, e também por causa da redução drástica da Mata Atlântica. O bioma cobria originalmente 100% da área do Rio de Janeiro, ou seja, um pouco mais de 4,37 milhões de hectares. Hoje, restam apenas 820.237 mil hectares do bioma –  18,7% desse total no estado. Só 44,78% da floresta original existe em Nova Friburgo. São poucos os taquarais devido aos incêndios nas matas.

O reaparecimento do pássaro em Salinas, depois de tanto tempo, é mais um indicativo de que a floresta tem se regenerado, espontaneamente ou por reflorestamento. Nos últimos 30 anos, 147 hectares da Mata Atlântica foram recuperados em Nova Friburgo, segundo o Atlas dos Remanescentes Florestais da Mata Atlântica. Para o presidente da Associação dos Produtores Rurais de São Lourenço, Dirceu Tardem, isso está diretamente ligado ao trabalho de educação ambiental realizado na região.

“Há mais ou menos 15, 20 anos, os produtores não tinham tanta responsabilidade ambiental. Usavam agrotóxicos de forma incorreta por falta de orientação. Não tinham os devidos cuidados com nascentes e matas. Hoje, devido ao trabalho do Instituto Bélgica-Nova Friburgo (Ibelga) e do Parque Estadual dos Três Picos, a gente vê uma preservação muito maior. Os produtores respeitam as matas ciliares, protegem as nascentes e se dedicam a uma produção muito mais ‘limpa’, com adubos químicos e agrotóxicos, de acordo com a legislação”, contou.

Depois de dez minutos de caminhada na mata fechada, seu Tadeu e seu Bartolomeu continuam a subir o morro por uma antiga estrada de terra, de onde dá para ver as coloridas plantações de alface, tomate, brócolis de Salinas que alimentam o Estado do Rio. Os dois irmãos voltam a entrar na mata fechada e encontram um emaranhando de bambus taquara, quase todos secos. Enquanto contam histórias de parentes que usavam o bambu para confeccionar esteiras e cestos, de repente, todos ficam em silêncio.

“Ó, ouvi um [pixoxó] cantar”, diz seu Tadeu.

“Eu ouvi dois”, completa Bartolomeu.  

Olhamos todos para o alto, mas a equipe de A VOZ DA SERRA não conseguiu ver e registrar o raro pássaro em Salinas.  

Foto da galeria
Os irmãos Bartolomeu e Tadeu não viam o pixoxó há pelos menos sete anos em Salinas (Foto: Henrique Pinheiro)
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TAGS: Meio Ambiente
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