Serramar entre Lumiar e Casimiro: uma estrada à beira do abismo

Crateras sinalizadas de improviso e estreitamentos de pista são armadilhas para motoristas ao longo de 37km de roleta-russa
sexta-feira, 01 de fevereiro de 2019
por Adriana Oliveira (aoliveira@avozdaserra.com.br)

Um olho no peixe, outro no gato. Ao trafegar pela RJ-142, a Estrada Serramar, sobretudo no trecho mais bucólico, entre Lumiar e Casimiro de Abreu, não se distraia com a bela paisagem. São 37km de inigualáveis belezas naturais, vales, morros, rios, pastagens, quedas d’água. Mas também muitas e perigosas armadilhas, que fazem da estrada uma verdadeira roleta-russa.

O verde das montanhas, que aos poucos vai tonalizando para o azul da Baixada Litorânea, divide atenções com súbitos estreitamentos de pista (foto abaixo); curvas estreitas e acentuadas com visibilidade prejudicada pelo mato alto; montes de terra de encostas invadindo o asfalto; subidas e descidas; e o pior: buracos, crateras e erosões sinalizadas de improviso, algumas deles beirando precipícios.

Situação que levou a leitora Elizabeth Ruiz a enviar por mensagem ao jornal o seguinte desabafo na última semana: “É mais uma vergonha do nosso estado a maneira como essa estrada está: muito mato, buracos e, além de tudo, com pedaços de estrada faltando, o que a torna mais perigosa do que já é. Uma pena, pois a chegada à Região dos Lagos através dela para nós, friburguenses, é bem mais rápida. Deixo aqui o meu protesto a quem de direito: governo do estado, DER. Não sei a quem devemos nos dirigir para que façam alguma coisa.  Lutamos tanto pela Serramar e, agora, vê-la assim dói muito”.

Em vídeo feito em janeiro, o ambientalista e fotógrafo Ernesto Galiotto, que mora em Cabo Frio e tem casa em Cascata, à beira da Serramar, fez o mapeamento de todos os problemas da estrada e lançou um alerta nas redes sociais, pedindo ações imediatas diante da iminência de acidentes com risco de mortes. Ele listou cinco pontos de altíssimo perigo, incluindo a cratera à beira do abismo e a ponte que só dá passagem a um veículo por vez, logo após uma curva.

Questionado por A VOZ DA SERRA, o DER-RJ, órgão responsável pela manutenção das rodovias estaduais, informou que equipes enviadas ao local esta semana (fotos acima) reforçaram a sinalização da estrada. A Assessoria de Planejamento do órgão “já trabalha na elaboração de um projeto para a recuperação total do trecho”. Enquanto isso, ainda segundo a nota, “equipes de conservação vão monitorar as condições de trafegabilidade e realizar serviços como roçada, limpeza de pista e melhorias operacionais”.

Segundo uma fonte ligada ao órgão, o trecho em questão necessita de grandes intervenções, e não apenas de “tapa-buracos” (foto abaixo). São obras que exigem licitação e dependem de recursos. Até que seja feito um diagnóstico e um plano de estudo técnico para a contratação de obras, os motoristas e passageiros dos 1.879 veículos que trafegam pela Serramar todos os dias, segundo dados do DER-RJ, precisarão esperar ainda alguns meses, e quem sabe rezar por uma solução ainda este ano.

Um engenheiro com experiência em obras públicas comentou que a manutenção de uma estrada com a topografia da Serramar é muito cara e sugeriu como solução definitiva a privatização com cobrança de pedágio. O DER-RJ informou que, no momento, não existe estudo em andamento para a privatização da RJ-142.

Um sonho de 40 anos

No total, a Serramar, que começa no trevo de Mury, tem 60km. Graças a ela, a distância entre Friburgo e Rio das Ostras é encurtada para cerca de 90km. Seu traçado corta vilarejos e pontos de interesse turístico, como Stucky, São Tiago, Encontro dos Rios, Cascata, São Romão e Santa Luzia, sendo um dos principais meios de acesso ao distrito de Sana.

A estrada-parque que liga as regiões Serrana e dos Lagos é a realização de um sonho do ex-prefeito e ex-presidente do DER-RJ Heródoto Bento de Mello que levou 40 anos para se materializar. Ele próprio, com o auxílio de um trator, desbravou a estrada, então apenas uma trilha de tropeiros que levavam banana para a Baixada Litorânea, na década de 60.

No início da década de 80, no primeiro governo de Leonel Brizola, a estrada surgiu como via  alternativa de acesso à BR-101 diante de um bloqueio da RJ-116 provocado pelas chuvas. Em 2006, após muita polêmica ambiental, a RJ-142 foi inaugurada com pompa pela então governadora Rosinha Garotinho.

Em artigo publicado em A VOZ DA SERRA em outubro de 2008, o advogado e ambientalista Rodrigo Phanardzis Âncora da Luz relembra que em julho de 2005 foram iniciadas as obras de alargamento, terraplanagem e pavimentação da estrada, em leito “evidentemente inadequado, sem que fossem realizados estudos sérios acerca dos impactos que poderiam ser causados à região e aos seus moradores”.

A construção da estrada chegou a ser suspensa pela Justiça, a pedido do Ministério Público Estadual, que exigiu o cumprimento de um acordo ambiental. Em 2008, dois anos após a inauguração, o DER-RJ já reconhecia a necessidade de obras emergenciais de contenção de encostas: a RJ-142 chegou a ser bloqueada por conta de uma queda de barreira. Negligenciada pelo poder público devido à manutenção cara e difícil, a Serramar já foi apelidada de “Serramato” e, volta e meia, recebe “reparos” e sinalização de advertência dos próprios moradores da região  e usuários.

Em março de 2018, um mutirão comunitário fez poda e capina às margens da estrada, em Casimiro. Na virada para 2019, um buraco profundo no meio da pista (foto acima, de arquivo) ficou dias sendo sinalizado com galhos. A imagem viralizou nas redes sociais. Em junho de 2017, um acidente matou uma família friburguense - pai, mãe e filha - em uma curva perigosa. Mais uma vez, coube aos próprios moradores fecharem com pneus o buraco na ponte por onde o carro caiu.

Sobre Galiotto

Autor da maioria das fotos que ilustram esta reportagem, o ambientalista e fotógrafo aéreo Ernesto Galiotto, de 72 anos, tem duas paixões: a natureza e a música clássica. Gaúcho de Flores da Cunha, trabalha em pesquisas e expedições por diversas regiões do país, a bordo do seu avião “Mico Leão Voador”.  Já realizou documentários sobre o rio São Francisco e o Rio Doce, este após a tragédia de Mariana (MG). Sua trajetória está contada no livro “Natureza intacta e agredida: 30 anos de luta ambiental”. A preservação do remanescente de Mata Atlântica na Região dos Lagos deve-se muito ao seu empenho pessoal.

Artigo de Girlan Guilland:

Circuito Serramar: muito além de estrada, um sonho e muitos desafios

Era junho de 1966. Um encontro de Prefeitos em Cabo Frio para tratar das potencialidades turísticas do interior do Estado. O então prefeito e engenheiro Heródoto, em seu primeiro mandato a frente da Prefeitura friburguense, havia designado para representá-lo o artista plástico Teté Bertão, à época Diretor de Turismo e Certames da Municipalidade, que acabou ‘convocando’ o Chefe para se juntar a ele no evento, ao constatar a enorme importância dos debates.

Segundo o ex-prefeito contaria mais tarde, “a caminho da Cidade litorânea, a própria aventura da viagem por estradas ainda sem asfalto e obrigando-me a uma volta pela antiga Rio-São Paulo para acessar a região dos Lagos”, o fez refletir bastante e o inspirou a conceber o que passaria a defender nas mais de três décadas a frente, como o Circuito Serramar.

Visionário como todos o conheciam, o engenheiro passou a dedicar boa parte de seus esforços e atuação, nos cargos que ocupava, desde Prefeito (de 1964-1967, 1983-1985 e 1994-1996), diretor do DER (1967-1971), deputado estadual (1978-1982), para concretizar aquela ideia. Em alguns momentos, pode-se dizer que trechos da rodovia foram abertos, no “peito e na raça”, enfrentando a resistência de ativistas eco ambientais e a sanha de opositores políticos.

Paradoxalmente, um antigo adversário se tornou um dos grandes aliados na abertura definitiva de trechos mais complicados da via, na década de 1990: Pio Francisco de Azevedo, um exímio tratorista da Prefeitura, que hoje dá nome ao trecho de 35 km entre o distrito de Lumiar e o município de Casemiro de Abreu.

Hoje não restam dúvidas – apesar de todos os seus problemas – da importância da chamada estrada Serramar, que encurtou 100 quilômetros no trajeto de Nova Friburgo a Rio das Ostras, antes feito acessando-se a BR 101, a partir do município de Silva Jardim.

Sem dúvida, um sonho realizado, mas a Serramar é muito mais que uma estrada. Além da promessa de que seria uma estrada-parque, aliás perfeitamente de acordo com o perfil de percurso atravessando um parque ambiental, interligando uma região de importante remanescentes da Mata Atlântica, foi concebida por seu idealizador para ser um circuito turístico integrador de dezenas de cidades, representando uma cadeia produtiva em mercado comum que se prestaria a receber os turistas internacionais, oriundos de cruzeiros que aportassem em Cabo Frio, podendo atravessar a Serra, via Nova Friburgo até Petrópolis, indo reencontrar seus transatlânticos na Capital.

Longe de utopia, oportunidades de negócios a serem aproveitadas. No entanto, o Circuito Serramar nunca foi “vendido” por governo algum ou quaisquer agências de turismo.

Quem sabe essa não seria a parte do sonho a ser concretizada, exatamente para o plus necessário à Serramar consolidar-se definitivamente nos umbrais do século XXI, muito além do que simplesmente a ligação dos friburguenses com a sua praia?

 

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TAGS: Trânsito | Turismo
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