Relatório de vistoria sugere sucateamento do Raul Sertã para forçar terceirização

Peça elaborada por vereadores detalhou drástica redução no quantitativo de medicamentos e insumos adquiridos pela prefeitura
quarta-feira, 12 de dezembro de 2018
por Marcio Madeira (marcio@avozdaserra.com.br)
As conclusões do relatório são exibidas num telão para os presentes (Fotos: Marcio Madeira)
As conclusões do relatório são exibidas num telão para os presentes (Fotos: Marcio Madeira)

Quarenta e duas páginas, 85 parágrafos, 79 notas de rodapé e muitos, muitos apontamentos a respeito da condição atual do Hospital Municipal Raul Sertã. O aguardado relatório elaborado por vereadores a partir da vistoria realizada no último dia 1º foi lido ao longo de duas horas e 20 minutos a partir das 14h55 desta terça-feira, 11, diante da presença da secretária de Saúde, Tânia Trilha, que compareceu ao plenário acompanhada de alguns membros do primeiro escalação de sua equipe, e também com transmissão ao vivo pelo YouTube.

Desabastecimento

O documento apresentado está divido em tópicos. O primeiro deles, após breves considerações preliminares, trata do “desabastecimento crônico” de material médico-hospitalar. Aqui é apresentada uma tabela que lista 84 itens “cuja falta cessou ou perdurou, ou cuja quantidade é insuficiente para a demanda”.

Entre muitos outros exemplos, observa-se que “a crônica ausência de agulhas para anestesia peridural, epidural ou caudal e de agulha G22 para bloqueio de plexo, a qual confere precisão e segurança ao procedimento de cirurgias que envolvem membros superiores, impede a aplicação pelos anestesiologistas de técnicas terapêuticas indicadas como apropriadas a cada caso. Isso é inegavelmente uma das várias causas de redução ou mesmo interrupção do ciclo de cirurgias eletivas no Hospital Raul Sertã. Técnicas que envolvam aplicação de anestesia de membros superiores podem ser forçadamente substituídas por aquelas que abarcam aplicação de anestesia geral, ou seja, nem sempre recomendáveis em diversas situações, pois há impacto desnecessário ao organismo do paciente”.

A tabela seguinte enumera 105 itens “cuja falta cessou ou perdurou, ou cuja quantidade é insuficiente para a demanda”, e é seguida por outra que aponta 19 medicamentos controlados na mesma situação.

Possíveis causas

Após lembrar, entre outros episódios, o custo ao erário da opção pela adesão à ata de tomada de preços de Duque de Caxias, o relatório traz uma comparação minuciosa entre os quantitativos dos processos licitatórios 1.077/16 e 9.993/17, que evidencia a drástica redução na variedade e na quantidade de medicamentos adquiridos pela municipalidade, apontada como causa principal do desabastecimento.

Entre os 412 itens comparados, sete foram inseridos em nova padronização e, portanto, não constaram do processo licitatório 1.077/16. Além deles, em apenas 19 casos foi observado quantitativo superior ao processo licitatório 1.077/16. Em todos os outros 386 itens o quantitativo foi reduzido, e em muitas oportunidades de maneira drástica. Por fim, uma tabela posterior ainda registra 113 itens medicamentosos listados pelo processo 1.077/16 que simplesmente deixaram de constar no processo 9.993/17.

Setores

O tópico seguinte apresenta 13 breves relatórios a respeito da situação encontrada em diferentes setores, quando do processo de fiscalização. Aqui também é possível ver que apenas duas das oito ambulâncias existentes se encontram aptas para funcionamento.

Quanto às condições físicas da unidade, o documento destaca a grave situação das cisternas, inclusive lembrando de contundentes apontamentos feitos a esse respeito pelo Inea, o Instituto Estadual do Ambiente. Em seguida o relatório reúne exemplos do que aponta como “falta de condições básicas”, antes de listar exemplos de transtornos decorrentes das obras que permanecem inacabadas. Por fim, a peça aponta precariedade nas condições de trabalho dos funcionários, chegando a afirmar que estes fazem “uma espécie de mágica” para que o hospital continue a funcionar.

Conclusões

Ao conectar a redução no volume de aquisição de medicamentos a atos administrativos que redundaram no desperdício de recursos o documento pretende apontar origens e elos da corrente de causas para a falta de medicamentos. Da mesma forma, a peça registra sintomas de um possível sucateamento da unidade, de modo a forçar a terceirização de sua administração.

“Este relatório evidencia um problema crônico que perpassa várias gestões, o qual fere de um lado o princípio da eficiência, pois envolve ausência de gestão planejada e estratégica e falta de infraestrutura adequada; de outro lado potencialmente viola os princípios da legalidade, da impessoalidade e da moralidade, pois há indícios robustos da presença de interesses paralelos ao interesse coletivo, seja através do sucateamento dos serviços hospitalares, para voluntário desejo de implantação de organizações sociais; seja por meio de atropelos da lei, muitas das vezes concorrentes a práticas danosas ao erário e, sobretudo, à vida das pessoas.”

“Nesse sentido, (...) recomenda-se ao Poder Executivo tomar medidas que concorram para a reversão do quadro apresentado, mediante provimento, dentre outros, de: planejamento estratégico e gestão eficiente e direta da prestação dos serviços públicos de saúde; aprimoramento da celeridade de execução dos recursos do Fundo Municipal de Saúde, para os diversos serviços de saúde, mediante concessão de pessoal específico e concursado para infraestrutura jurídica, logística e de controle no âmbito da Secretaria Municipal de Saúde, desde que respectivamente oriundos e sob a tutela da Procuradoria Geral do Município, da Controladoria Geral e da Secretaria de Infraestrutura e Logística; conclusão das obras do hospital para melhor serviço à população, inclusive mediante credenciamentos junto ao SUS; otimização do setor de faturamento; melhoria gradativa dos setores, com reavivamento daqueles que se encontram em processo de sucateamento; reestruturação do quadro funcional e otimização das condições de salário e de trabalho digno, nos termos da lei; observação das disposições da nova Lei Orgânica acerca da Saúde.

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TAGS: saúde | Governo | CPI
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