Pesquisadores da UFF-Friburgo relacionam agrotóxicos à obesidade

Estudo encontra indícios de que pesticidas provocam acúmulo de gorduras no organismo
sexta-feira, 22 de fevereiro de 2019
por Alerrandre Barros (alerrandre@avozdaserra.com.br)
A equipe de pesquisadores da UFF que está trabalhando no projeto (Divulgação)
A equipe de pesquisadores da UFF que está trabalhando no projeto (Divulgação)

Pesquisadores da Universidade Federal Fluminense (UFF), em Nova Friburgo, encontraram indícios de que o uso de agrotóxicos nas lavouras pode causar obesidade. Os professores Flora Milton e Leonardo Mendonça estão investigando se esses produtos químicos, utilizados como pesticidas, são mesmo obesogênicos, ou seja, se induzem acúmulo de gorduras no organismo.

“Desreguladores endócrinos (substâncias presentes no ambiente que podem interferir no metabolismo endócrino) são fatores considerados contribuintes no desenvolvimento da obesidade, tanto pela Organização Mundial da Saúde (OMS), quanto pela Associação Brasileira de Estudos da Obesidade e da Síndrome Metabólica (Abeso). Existem comprovações de que esses desreguladores contribuem como fatores externos no desenvolvimento da obesidade e da diabetes. O que estamos investigando é se os agrotóxicos podem atuar nesses mecanismos. Encontramos o indício de que sim, temos um resultado de que o agrotóxico está induzindo o acúmulo lipídico em célula. Nosso próximo passo é avaliar isso em animais”, explica Flora (foto), que coordena o Laboratório Multiusuário de Cultivo de Células e Tecidos Animais (LMCT).

 

Dez agrotóxicos usados no país foram selecionados para o estudo. Flora trabalha na primeira fase da pesquisa, que consiste na aplicação e avaliação dos produtos em cultivos de células. Já a segunda etapa será comandada por Leonardo, com testes em camundongos. Por preocupações éticas, no entanto, a equipe optou por diminuir o uso dos animais na pesquisa, e considerou a necessidade de, primeiramente, entender o funcionamento de todo o mecanismo molecular para, em seguida, fazer uma avaliação através dos animais.

“O fato de o Brasil ser o maior consumidor de agrotóxicos no mundo foi fundamental na nossa escolha desse objeto de estudo (o agrotóxico). Precisamos estudar e mostrar os nossos resultados, para sermos levados em consideração até na regulamentação de novos produtos. Para, então, podermos argumentar através de estudos e provas de que esses produtos fazem mal à saúde”, disse a professora.

Parceria de cientista americano

Uma das regras utilizadas na escolha dos pesticidas para a pesquisa foi a aplicação oficial deles na produção nacional. “Nós precisamos utilizar as substâncias na forma pura, sem fixadores. Então, compramos de uma empresa que comprova essa pureza, para termos a certeza de que é o agrotóxico em si que causa o efeito que estamos verificando. Escolhemos também agrotóxicos de classes químicas diferentes e que são utilizados em maior número de espécies e cultivares. Dessa forma, escolhemos agrotóxicos que têm mais relevância e que podemos, como cidadãos, estarmos expostos”, revelou a pesquisadora.

Criador do termo obesogênico, o professor Bruce Blumberg, da Universidade da Califórnia, nos Estados Unidos, também participa da pesquisa desde o fim do ano passado, quando teve acesso aos primeiros resultados do estudo realizado pelos docentes da UFF e considerou-os de extrema relevância. Blumberg estuda os desreguladores endócrinos e os seus efeitos, os danos causados no DNA  e se esses danos são hereditários.

“O que não conseguimos fazer por aqui estamos buscando nessa colaboração com o cientista americano. A parceria está nos rendendo bons frutos”, acrescentou Flora.

Colaboração da UnB

A Universidade de Brasília (UnB) colabora financeiramente com estudo, fornece materiais e espaço para a realização de alguns testes específicos, como a PCR em tempo real, exame que permite a visualização do DNA e a identificação da presença de patógenos na amostra, utilizado para avaliação da expressão de genes relacionados à adipogênese, obesidade e resistência à insulina tanto em células quanto em animais.

 

“A curto prazo esperamos identificar o potencial adipogênico dos agrotóxicos através do estudo em cultura de células. A médio prazo, avaliaremos se o potencial observado nas células também pode ser observado em camundongos. Os animais representam organismos mais complexos, onde outros fatores com certeza irão interagir com os agrotóxicos. E a longo prazo esperamos estabelecer uma relação do que foi observado no laboratório com os seres humanos”, esclareceu a professora.
 

Pacote do Veneno

Com uma população acima dos 200 milhões e uma economia baseada no agronegócio, o Brasil é o maior consumidor de agrotóxico do mundo — são cerca de 7,3 litros de defensivo por pessoa a cada ano. Cancerígenos e causadores de outras doenças, esses produtos estão presentes em frutas, verduras, carnes, leite, bebidas e produtos industrializados, e já contaminam o solo, a água e até mesmo o leite materno. Apesar dos riscos comprovados, o Ministério da Agricultura continua autorizando a venda de novos agrotóxicos no mercado. Só este ano, foram 54 produtos licenciados. E a tendência é piorar: tramita no Congresso o PL 6.299/2002, conhecido como “Pacote do Veneno”, que pretende flexibilizar o licenciamento desses pesticidas.

 

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