O mundo das pichações

Conheça o “mundo pararelo” dos pichadores, e como os grafiteiros transformam o mundo real em obra de arte
sábado, 15 de agosto de 2015
por Rafaella Dias
Pichações são cada vez mais comuns em Nova Friburgo (Foto: Amanda Tinoco)
Pichações são cada vez mais comuns em Nova Friburgo (Foto: Amanda Tinoco)

Não é difícil observar, andando por Nova Friburgo, diversos muros, prédios e monumentos pichados. A pichação é vista pela sociedade como um ato de vandalismo e tratada como um crime, mas para os pichadores a conduta, além de ser considerada uma arte, é também um “hobbie viciante”. A pergunta que não sai da cabeça da maioria das pessoas é: por que e para que pichar? A equipe de reportagem do jornal conversou com um pichador, que naturalmente pediu para não ser identificado, e contou um pouco sobre o significado da pichação para os que vivem nesse mundo. Ele acredita que muitas vezes aqueles que estão no mundo das pichações são pessoas que vivem à margem da sociedade e não têm a oportunidade de serem reconhecidos, e é exatamente isso que os incentiva a procurarem esse vício: quanto mais ousados forem os locais pichados, mais ganharão prestígio e reconhecimento entre o grupo.

A sociedade geralmente julga as pichações como rabisco, enquanto para os pichadores as palavras ou frases pichadas fazem todo o sentido quando lidas de trás para frente, por exemplo, isso porque a linguagem utilizada é específica para o grupo. Cada pichador tem o seu “xarpi”, ou seja, a sua marca registrada nas pichações, além também de fazer parte de uma sigla, que podem ser consideradas as “famílias”. “Os pichadores tendem a usar as frases de trás para frente para quem não vive nesse mundo não entender o que estamos falando. E é aquilo, quem vive à margem da sociedade não tem oportunidades iguais a quem tem estrutura para crescer, e queremos ser alguém e marcar o nosso nome, quem não quer? Para isso a gente picha, para ser reconhecido pela galera da pichação. Quanto mais alto for o ‘xarpi’, mais atenção chama. Por exemplo, se você picha no relógio central da cidade, mais curiosidade vai gerar na galera de saber quem foi que fez aquilo, então você se destaca e consequentemente ganha nome entre os pichadores”, explica.

O pichador contou ainda que os pontos pichados variam de acordo com a área escolhida pelo autor. “Existem várias áreas dentro da pichação. Tem aqueles que gostam mais de pichar em pedras, aqueles que preferem os topos dos prédios ou em cima de janelas, e por aí vai. Buscamos sempre adrenalina e assim ganhar espaço nesse mundo”, comenta.
Especialistas consideram que os pichadores vivem em um mundo paralelo, onde para eles a vida se resume a pichar. Festas e eventos fechados para o grupo, marca de roupas e também páginas nas redes sociais são exemplos de movimentos organizados por pichadores.

Em Nova Friburgo as pichações são mais comuns em muros, fachadas de prédio e portas de aço de estabelecimentos. No último fim de semana, um grupo de jovens pichou portas do comércio na Chácara do Paraíso. As imagens de uma câmera de segurança que capturaram em flagrante o ato foram entregues à polícia e estão sendo investigadas, a fim de identificar os jovens. Hoje a pichação é considerada vandalismo e crime ambiental pelo artigo 65 da lei 9.605/98, que determina pena de detenção de três meses a 1 ano e multa.

Os “pichadores amadores”

Para o pichador entrevistado para esta matéria existem também aqueles que são considerados “pichadores amadores”, pois picham em qualquer muro que esteja ao seu alcance. “Nós que somos desse mundo vimos muitos pichadores amadores, que é como chamamos os caras que picham em muros ao alcance do peito ou em qualquer outro lugar que não dá credibilidade a ele, não é mérito nenhum fazer um piche aqui embaixo”, contou, apontando ainda que em lugares onde há grande índice de pichação, inclusive em cidades grandes, os proprietários de imóveis deixam uma placa informando que aquela fachada de muro foi reservada para pichadores amadores, o que garante que o muro não seja alvo de pichações.

Grafite: muito além dos muros

O grafite, diferentemente das pichações, aos poucos foi ganhando espaço nas ruas e sendo considerado uma arte, mas os grafiteiros Maicon Ferreira e Diego Monnerat dizem que ainda existe preconceito em relação à arte. “Desde quando começamos até hoje o grafite já evoluiu muito e já venceu uma grande barreira de preconceitos, mas ainda não estamos livres disso. Já aconteceu de eu estar trabalhando e ser abordado por policias que receberam denúncias sobre eu estar ‘pichando’ as paredes. Cheguei a ser levado para a delegacia e depois que reconheceram como grafite me levaram de volta pra terminar o trabalho. Então, é uma coisa que ainda há distinção por parte das pessoas”, conta Maicon.

Diego Monnerat explicou que os grafites não podem ser feitos em qualquer lugar: “Não existe nenhum tipo de lei que proíbe o grafite e nem uma lei que determine onde ele pode ser feito. Mas é permitido grafitar em muro particular com a autorização do proprietário e desde que seja para valorizar o imóvel”. Em Friburgo é possível observar inúmeros muros que foram transformados em telas de arte, assim como também as pistas de skate espalhadas pela cidade.

Na Escócia, a construção de um castelo do século 13 precisava de reformas. Foi então que o conde de Glasgow Patrick Boyle, por sugestão de seus filhos David e Alice, decidiu contratar quatro brasileiros grafiteiros para mudar o visual do tradicional castelo. A vizinhança considerou o trabalho dos brasileiros como um ultraje, mas a obra — que teria um prazo de exposição por apenas três anos — atraiu inúmeras visitas e se tornou um cartão-postal na cidade. Hoje o dono do castelo recorre na Justiça para que as pinturas não sejam retiradas.

Opiniões: o que você acha das pichações?

“É um absurdo o que eles fazem! Para mim são vândalos, não existe outra denominação. A gente custa a construir nossa casinha, coloca ela toda do nosso gosto, com muito esforço, para vir uma pessoa dessa e rabiscar nossas paredes. Pra que isso, né?”
Maria José Silveira, aposentada, 64 anos

 “Se eu vejo uma pessoa fazendo isso eu dou um jeito de denunciar. Eles picham em lugares que às vezes não dá nem para tirar, para limpar. Tenho um amigo que custou a fazer a casa dele, com todo suor conseguiu colocar umas pedras bonitas na fachada da casa, para rabiscarem. Não dá para limpar a pedra, como que faz? Sei lá, não entendo o que tem na cabeça.”
Vinícius Mendonça, garçom, 40 anos

“Às vezes eu penso que seja alguma forma de reivindicação. Mas não faz muito sentido. Não dá pra entender o que passa na cabeça de pessoas assim. Poderia até ser considerado uma arte se tivesse cores, se fosse feito com alguma finalidade positiva.”
(Preferiu não se identificar)

 “É uma poluição visual muito grande. O grafite, a arte em si, quando ela é transformada para o bem, é maravilhoso. Mas, poxa, a pichação é algo que danifica a nossa cidade, deixa o visual muito feio. Não existe benefício nenhum, para ninguém.”
Gustavo Lopes, taxista, 32 anos.

“Acho muito feio, uma falta de respeito com o cidadão, uma atitude de vandalismo. Se eu vejo um cara fazendo uma coisa dessas na fachada do muro da minha casa, eu ponho atrás das grades, porque eu acho que enquanto não pagar pelo crime não vai parar. Eles danificam o patrimônio público e o privado, não têm respeito com o próximo e nem pensam se o proprietário do imóvel batalhou para ter aquela casa, aquele muro pintado. É complicada uma situação dessa.”
(Preferiu não se identificar)

“A cidade fica suja marcada por pichações. Pra mim eles só querem chamar atenção, mas o que eu não entendo é: por que não chamar atenção para um lado positivo? Ter atitudes inusitadas, como aquela que uma vez pintaram a primeira faixa das faixas de pedestre da cidade com a intenção de chamar a atenção dos pedestres para não atravessarem fora da faixa. É só questão de saber utilizar o spray.”
(Preferiu não se identificar)

“Pichação não está com nada! Eles fazem umas coisas feias, esquisitas. A gente vê o grafite, isso sim é bonito e dá outro aspecto no visual. Fizeram um grafite na pista de skate lá no Cônego, ficou lindo! Uma pista cinza, que tinha até algumas pichações, foi transformada.”
(Preferiu não se identificar)

  • O grafite, diferentemente das pichações, aos poucos foi ganhando espaço nas ruas e sendo considerado arte

    O grafite, diferentemente das pichações, aos poucos foi ganhando espaço nas ruas e sendo considerado arte

  • Quanto maior o desafio, mais recompensador para o pichador (Foto: Amanda Tinoco)

    Quanto maior o desafio, mais recompensador para o pichador (Foto: Amanda Tinoco)

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