O inquietante som do Cavaleiro Solitário

Disco do artista multimídia Arnaldo Luis Miranda feito com sobras de estúdio reúne canções de épocas diferentes
quarta-feira, 20 de setembro de 2017
por Ana Borges
O inquietante som do Cavaleiro Solitário

“Alguns amigos ― da música, principalmente ―, têm me dito que O Cavaleiro Solitário é o patinho feio dos meus álbuns de estúdio, no sentido de que não me mostro tão entusiasmado no seu lançamento como em relação aos trabalhos anteriores. Não se trata disso, posso garantir. Primeiro, que meu entusiasmo tomou umas bordoadas traumáticas, nos últimos tempos, mas, sigo na luta, sem entregar a rapadura…”, justifica o poeta, compositor e cantor Arnaldo Miranda, fundador da casa de criação e produção ‘Cia do Ar. ações em cultura’, em Friburgo.

A partir de certo ponto de sua vida, o ator, autor e diretor Arnaldo renunciou ao teatro por absoluta falta de condições de produzi-lo, de acordo com o seu grau de exigência, o que lhe causou muita tristeza. "Tenho um vínculo essencial com a narrativa dramática. Mas, como resolvi dedicar-me prioritariamente à música, não houve jeito de mantê-lo”, revelou.

Deu novo rumo também à literatura. “Me limitei, basicamente, à poesia, dando passagem à prosa em geral e à ficção em particular. Percebi que cada uma dessas atividades é uma deusa tirana que exige de seu servo dedicação integral e exclusiva, sempre que não dispomos de uma sólida estrutura econômica de produção que nos possibilite uma organização sofisticada e disciplinada ao mesmo tempo. Meu caso”.

Então, seu mais recente trabalho é um disco - O Cavaleiro Solitário - feito com sobras de estúdio que julgava boas como resultado, mas que não sabia onde encaixar nos trabalhos em curso, que tinham pegado outros caminhos, em termos de sonoridade e temática.

“Esse é o ponto. O Cavaleiro não é um álbum com um conceito musical e temático muito definido, estruturado. Tive que costurar um repertório que reúne canções muito diferentes entre si, de épocas diferentes”, contou. Como, por exemplo: Que Planos (2009), Anoitecer em Friburgo (por volta de 1982), ET Extraterrestre (1980), Um Tempo pra Cada Desejo (por volta de 1984), Quisera (por volta de 2004), Navios (2009), Jabuticaba (2007), Lindo (2017) e Cavaleiro Solitário (1986).

Arnaldo completou esse repertório inicial, segundo ele, “com alguma lógica que construísse a unidade temática do álbum, o que não foi simples nem fluente. Não sei se alguma vez é fluente e coerente como imaginamos na nossa cabeça de autor, mas é um esforço de que não podemos abdicar, se queremos oferecer ao público um produto adequado, que ele possa desfrutar. E gostar. E encontrar ali algum sentido para si”, argumentou.

O artista optou por um disco de corte eminentemente pop, coisa que ele, por hábito, evita, mas sempre dá uma misturada com a MPB “do meu coração”. Só que, neste caso, ele percebeu que não cabia. “Tinha de seguir costeando o alambrado do pop, sem perder de vista as matrizes da música brasileira, que são o meu Norte”.

De olho nos próximos ventos do mercado

Para ele, concluir um álbum hoje é uma experiência, para dizer o mínimo, extemporânea, porque quase ninguém mais ouve uma coletânea inteira de um artista, como antes. “Na verdade, os meios de audição, produção e circulação musical transformam-se numa velocidade estonteante, difícil de acompanhar, principalmente para tipos como eu, cujo trabalho não responde a demandas de mercado, mas do coração”.

Anunciou que outros álbuns de estúdio estão em andamento ― “e periga, alguns deles, se tornarem ao vivo”. A autor considera que o formato mais provável, para os tempos atuais e os próximos, talvez seja o streaming, sem coletâneas definidas, como na playlist de quem ainda hoje ouve uma música até o final.

Em 2016, Arnaldo esteve numa conferência internacional de negócios da música, e o que observou, entre grandes players do mercado fonográfico e “outros nem tanto, porém, atuantes”, foi um clima de total perplexidade e mesmo de certa desorientação em relação aos próximos ventos do mercado.

“Tá todo mundo meio perdido, num certo sentido. E as mudanças tecnológicas, que criam e recriam plataformas digitais a uma velocidade estonteante, têm deixado a todos de orelha em pé, em busca do próximo zumbido, mas também na perspectiva de perceber para onde sopra o vento instável da contemporaneidade. Estamos atravessados de incerteza quanto à direção da música como negócio e mesmo como fruição espiritual. Cenário desafiador”, avaliou.

E encerrou: “Acho que é esse sentimento, entre outros mais íntimos, que meus amigos ― especialmente, os amigos da música, e da minha música, em particular ― detectam no semblante algo perplexo com que tenho circulado por aí, sem conseguir expressar plenamente o que sinto, não obstante o imenso prazer e a imensa alegria que compor e produzir música trazem ao meu pobre coração e mesmo à minha alma”.

O autor

Arnaldo Luis Miranda nasceu em Nova Friburgo, em 12 de abril de 1958. Estudou no Colégio Anchieta, cursou Ciências Políticas e Sociais na PUC-Rio e fez pós-graduação em História da Filosofia Moderna e Contemporânea pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj). Usa sua formação acadêmica como base intelectual para seu trabalho artístico.

Aos 14 anos foi aprendiz no semanário O Nova Friburgo, dirigido pelos irmãos Reginaldo e Girlam. Aos 16, estreou como autor, ator e diretor do TACA, grupo de teatro amador do Colégio Anchieta, do qual foi um dos fundadores. Ao transferir-se para o Rio de Janeiro, mergulhou de corpo e alma na atmosfera de contestação política do Brasil, em fins dos anos 1970. Aos 19 anos, ajudou a fundar outro grupo de teatro popular, em Bangu, como parte de sua militância política.

Dali saíram as duas primeiras premiações pelas peças “A fantasia dos infelizes” e “A ópera operária”, a que se seguiram inúmeros outros textos teatrais, antes e depois do sucesso nacional com a premiada “Hep & Reg”, em 1987.

Aos 27 anos lançou o primeiro livro de poemas “Barreiras alfandegárias para sonhos comuns”. O segundo, “Archeiro sonetos canções e poemas de amor paixão e amizade”, saiu em 2004, sendo relançado em 2014 em formato digital.

Antes disso, em 2000, após passagem pela secretaria-geral da Sociedade Brasileira de Autores Teatrais (Sbat), abandonou o teatro. Sua última peça, “Dramaoquê?!”, foi publicada em 2006.

Nos últimos anos, Arnaldo vem se dedicando à produção musical. Lançou os álbuns “Flores da serra” (2011), "Archeiro" (2013) e “Cicatrizes do samba” (2015), os três distribuídos mundialmente pelo selo americano CD Baby. A partir deste ano, 2017, sua produção em poesia, prosa e teatro começou a ser lançada como eBook. Já está nas livrarias virtuais “O teatro infantil do Arnaldo Miranda”, que reúne três peças para dois atores, já encenadas em todo o Brasil.

Um ser de múltiplas aptidões artísticas, Arnaldo reflete, invariavelmente, sobre as grandes questões humanas e sociais, onde busca tocar o efêmero e o eterno, o alegre e o triste com a mesma despretensão e o mesmo comprometimento com o homem e o mundo, não obstante seu temperamento recluso e quase nenhuma vocação para o convívio social.

 

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