Nova Friburgo e a visibilidade da mulher negra

Em outubro de 2015, o 1º Encontro do Orgulho Crespo trouxe experiências culturais que enaltecem a matriz afrodescendente
segunda-feira, 07 de março de 2016
por Amanda Belém
(Foto: Paula Winter)
(Foto: Paula Winter)

O papel da mulher na cidade tem crescido em diversos aspectos. Ao andar pela Avenida Alberto Braune, é impossível não reparar em cada detalhe que as “flores da serra” exalam. Cabelos cacheados, crespos, lisos, ruivos, castanhos. Negras, brancas, pardas, índias. Todo o tipo de estilo, cada uma com a sua essência. 

Mas a pauta, aqui, é a visibilidade da mulher negra, que tem chegado de mansinho pelas esquinas. Elas ainda são vistas por aí, muitas vezes, acompanhadas de mães e filhos sendo babás ou faxineiras. Para tentar mudar essa visão distorcida a respeito da mulher negra, em outubro de 2015, o 1º Encontro do Orgulho Crespo trouxe experiências culturais que enaltecem a matriz afrodescendente.

Leonardo Libanio, organizador do evento, exalta a importância de debates como o racismo e a beleza feminina. “O 1º Encontro do Orgulho Crespo chegou com a intenção de desconstruir a ideia de que apenas um biotipo é bonito e aceitável. O evento queria justamente afirmar que nosso cabelo é lindo e nossa identidade africana é mais linda ainda. Elevar a autoestima de todos os negros, onde todos possam assumir o que verdadeiramente são. Nada contra quem modifica os seus fios, mas queremos mostrar que o crespo é tão belo quanto outro tipo de cabelo.” 

Xuxa como ponto de partida para a reflexão

“A minha geração, que foi criança no início dos anos 90, teve como referência um padrão de beleza e estética que não se assemelhava com a realidade em que eu vivia. Eu e minha irmã crescemos assistindo Xuxa, ícone infantil. Nós dois, negros, assistíamos a apresentadora e suas paquitas e paquitos sem perceber que aquilo no futuro iria interferir diretamente na vida adulta. Crescemos aprendendo que o padrão de beleza para ser considerado aceito e representado na mídia deveria ser branco, de olhos azuis e cabelos loiros. E anos depois, quando a gente cresce, percebe que isso não é uma verdade” afirma Leonardo.

No entanto, cerca de 70% das mulheres entrevistadas para esta matéria já sofreram algum tipo de preconceito, como Juliana*. “Eu quis experimentar um sapato que estava na vitrine, mas uma das atendentes disse que não tinha. Só que eu estava vendo o par na estante, ela que não quis me dar. Eu vi o preconceito estampado ali”. Juliana conversou com o gerente do estabelecimento — não deu em nada.

Fernanda*, que é garçonete, diz que o preconceito não é somente por ela ser negra, mas também por ser mulher e trabalhar em um bar. “Muitas pessoas que chegam aqui no bar me tratam mal, exibem o poder que elas acreditam que têm por causa do dinheiro. Eu sempre vou ser olhada de maneira diferente por ser negra”. Fernanda ainda reclama que adolescentes fazem questão de humilhá-la. “Já me chamaram de mendiga, me xingaram, já me botaram no chinelo”, diz. 

Por toda a cidade é possível ver uma geração mais engajada, atuante em questões sociais. Definida como geração “Y”, os jovens que nasceram entre 1978 e 1996 possuem uma característica peculiar: são argumentativos diante da sociedade. Eles já foram chamados de distraídos mas acabam por fazer uma revolução silenciosa.

Alice Vitória, de 19 anos, é uma das inúmeras mulheres que se encaixam no perfil ‘Y’ e defende com unhas e dentes o seu estilo irreverente. Cabelo black colorido e um jeito de “tô nem aí pro mundo”, ela garante que sua posição em Nova Friburgo ainda gera desconforto. “Quando você se identifica como negro, as pessoas se chocam, porque elas esperam ver negros e negras ‘embranquecidos’, cabelo alisado. Elas estranham quem saiu da caixa. Tem gente que corre de mim se eu chego perto, com um medo estúpido! Tem quem ria também, quem admire, já me gritaram do outro lado da rua pra me elogiar! Mas no geral é espanto mesmo”, revela. 

* Nomes reais foram preservados a pedido das entrevistadas

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TAGS: dia internacional da mulher | movimento negro
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