Lutero: uma figura complexa, entre o velho e o novo

A estreia do pastor Gerson Acker como colunista de A VOZ DA SERRA
sexta-feira, 21 de julho de 2017
por Gerson Acker
O pastor capixaba Gerson Acker, novo colunista de A VOZ DA SERRA (Foto: Henrique Pinheiro)
O pastor capixaba Gerson Acker, novo colunista de A VOZ DA SERRA (Foto: Henrique Pinheiro)

A chegada das comemorações dos 500 anos da Reforma Protestante coloca os holofotes sobre a figura histórica de Martin Lutero. Para alguns, ele é um reformador eclesiástico, para outros “destruidor” da Igreja; para uns “libertário”, para outros “lacaio dos príncipes alemães”; para uns “revolucionário social”, para outros, “traidor dos camponeses”. Sim, Lutero é uma figura bastante complexa. Como humano, cheio de potencialidades, mas também limitações. Por isso, o Jubileu da Reforma não trata, a priori, de uma celebração a Lutero. Celebramos a redescoberta do Evangelho da Graça. Não glorificamos Lutero – somos gratos por seu testemunho de fé.

O aspecto de transição marca toda a vida do Reformador alemão. Ele experimenta a transformação nos aspectos culturais, sociais, políticos, econômicos e religiosos em seu tempo. O sistema Medieval estava chegando ao fim e aos poucos esboçava-se a Idade Moderna: Lutero está localizado entre o velho e o novo. Por vezes é “moderno”, por vezes atrelado a ideias medievas.

A relação entre fé e mundo no fim da Idade Média era contraditória. Havia, por um lado, uma nítida separação entre “vida religiosa” e “vida comum”, para não usar o termo “profano”. Para realizar a santidade em sua plenitude, a pessoa deveria retirar-se do mundo, ou seja, aderir à vida monástica, viver enclausurada em conventos para desenvolver uma vida religiosa. Sob esse prisma, a vida no âmbito secular - as profissões não religiosas - era completamente desvalorizada. Em contrapartida, a igreja da época que zelava por tal separação entre religioso e secular, era a maior proprietária feudal de terras, a ponto de cargos eclesiásticos serem negociados ao sabor de interesses econômicos e políticos. O que é por deveras irônico, a ponto de aguçar Lutero a escrever suas 95 teses.

Lutero experimentou essa contradição entre “sagrado” e “profano” em sua própria carne. Ele tenta se separar do mundo, quando entra no convento dos Agostinianos. Porém, percebe que o estar voltado sobre si mesmo o afastava de Deus e do próximo. A partir da descoberta da justificação por Graça e Fé, o Reformador alemão passa a perceber o mundo de forma mais dinâmica – somos simultaneamente justos e pecadores, somos simultaneamente “joio” e “trigo”, transitamos entre o sagrado e o humano.

Testificando isso, Lutero cunhou na língua alemã um novo vocábulo: “Beruf”. Esta palavra significa “profissão”, com o detalhe de que sua raiz “rufen” aponta para vocação. Portanto, o neologismo confere um sentido vocacional/divino à atividade secular. Antes, a profissão secular era um mal necessário que visava autossustento – agora toda e qualquer profissão é entendida como uma possibilidade de serviço a outras pessoas e não somente a vida monástica. Portanto, o mundo é o campo de exercício para uma nova santidade – da vivência do Evangelho; não voltado para uma santificação de si mesmo, mas para o atendimento das necessidades concretas de outras pessoas.

Eis o desafio: viver a fé e o amor dentro do mundo, assim como ele se apresenta. Como ilustra o famoso causo: um sapateiro perguntou a Lutero o que poderia fazer para servir melhor a Deus e ser um cristão melhor. Lutero respondeu: “Faça um bom sapato e venda por um preço justo”.

 

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