Fondue: um prato para compartilhar e derreter corações neste inverno

Comida tipicamente suíça é a estrela da temporada na estação mais fria do ano em Friburgo
sábado, 22 de julho de 2017
por Guilherme Alt

É um prato que não se come sozinho. Espetar uma carne, um pão ou uma fruta e banhar em um delicioso molho é um ritual relaxante e prazeroso que deve ser acompanhado de uma boa conversa ao lado de pessoas queridas. O barulhinho de uma tira de filé mignon quando toca o óleo e começa a ser fritado é como ouvir uma orquestra: a cada nota, a cada subida de tom, a expectativa aumenta, e o deleite é intenso. Todos esses elementos fazem parte de qualquer receita de fondue.

Seja de carne bovina, avestruz, tiras de frango; seja de uma mistura de queijos, com pão ou goiabada, seja ele cozido no vinho tinto; seja apenas o caldo no estilo oriental, a unanimidade neste caso não é burra: o fondue, em todas as suas formas, é delicioso..

Apesar de ser consumido durante todo o ano, é no inverno que o prato ganha ares de protagonista. A gastronomia friburguense não fica atrás quando o assunto é fondue. Também pudera. Fundada por suíços há quase 200 anos, uma das cidades mais frias do estado, Friburgo herdou de seus colonos a maestria de colocar na mesa o rechaud com os mais variados sabores de fondue. Aliás, para quem não sabe, o prato tem origem suíça. Mais uma razão, como se precisasse, para comemorar a enraização dos Alpes suíços na terrinha.

A palavra “fondue” significa “derretida”, em francês. Não por acaso o mais tradicional dos fondues é o de queijo, que mistura justamente queijos suíços como emmental, gruyère e gouda.

O fondue friburguense é tão bom que é comparado ao de Campos do Jordão (SP). Pelo menos é o que afirma Jane Palomo Valente, proprietária do restaurante Oca Maloca, no Cônego, a 15 minutos do Centro. “É um prato que sai muito aqui no restaurante e já ouvi comparar com os fondues de São Paulo, Campos do Jordão, que tem no frio seu principal charme, assim como Friburgo. Eu não poderia receber elogio melhor”, alegra-se.

Jane entende bem a essência do prato. O que compõe o fondue é o evento em si, como ela bem explica.  “Não é prato para se comer sozinho. Você deixa o fondue no réchaud e vai papeando com amigos, marido, esposa, namorada (o). Essa é a função do fondue: juntar pessoas”.

Como um bolo, a preparação para o fondue, no restaurante de Jane, possui etapas ou “camadas”. “Nós servimos de entrada uma sopa de cebola para já ir aquecendo. Depois vem uma batata rosti. Após as duas entradas é que vem o prato principal. Temos fondue à la carte, rodízio e eles são: chocolate, carne e queijo”, explica. Molhos de geleia de abacaxi apimentado, hortelã e alho (todos experimentados e aprovados por este repórter), acompanham o fondue de carne preparado pela equipe de Jane. Além dos tradicionais pão e torrada, legumes e goiabada (o famoso Romeu e Julieta), formam o fondue de queijo.

Carne de avestruz

Aos ouvidos desacostumados, parece uma novidade, mas não é bem assim. Pelo menos é o que afirma o proprietário do restaurante Bräun & Bräun, Jorge Bräun. Localizado em Mury, o restaurante fica a 25 minutos do Centro da cidade e há cerca de 20 anos exibe no menu de fondues, além dos tradicionais queijo, carne e chocolate, fondue de carne de avestruz.

“A carne de avestruz tem o menor teor de colesterol ruim e é perfeita para quem não quer uma refeição muito calórica. Muitos clientes quando chegam aqui acham que é novidade, mas temos essa opção de fondue há alguns anos”, explica Jorge.

Friburgo foi um dos primeiros lugares no Brasil a ter carne de avestruz, de acordo com Jorge. “Há mais de 20 anos eu conheci um restaurante em São Paulo que tinha no cardápio de fondue a carne dessa ave, e ele era o único até então. Eu pedi a ele que me ensinasse, pois queria colocar no meu restaurante em Friburgo, longe de ser um concorrente dele”, brinca. “No Brasil, eu não sei, mas no Rio de Janeiro acredito que eu tenha sido o primeiro a colocar essa iguaria como opção de fondue”, afirma.

A criação de avestruz é muito delicada. Por ser originário do continente africano, o criadouro pede um clima quente. Caso haja mudança de temperatura, é preciso aquecedores potentes para manter vivos, principalmente, os filhotes da ave. O custo é alto, e isso se  reflete no preço do quilo da ave.

O avestruz é um animal muito sensível, de acordo com Jorge. “Ao visitar a fazenda onde compramos a carne para o restaurante fiquei sabendo de uma coisa extraordinária: o avestruz chega a se apaixonar perdidamente pelo seu tratador. Ele tem uma relação muito intensa e chega a demonstrar isso. Uma coisa muito bonita e que poucas pessoas sabem. O avestruz tem aqueles cílios bonitos, aquela pompa toda e olha para o seu tratador com um olhar de paixão mesmo”, impressiona-se.

Fondue ao vinho

Uma opção muito boa para quem deseja aproveitar as delícias do prato sem se preocupar com o teor de colesterol é o fondue no vinho tinto. Em vez de colocar óleo no rechaud para fritar a carne, coloca-se vinho tinto, sendo ele aquecido normalmente enquanto estiver no rechaud. A carne, após ser refogada no vinho, ao ser retirada do recipiente fica com um leve gosto da bebida. Misturada aos molhos que acompanham o prato, é uma verdadeira iguaria.

O fondue, quando feito no vinho, impede que o ambiente fique com cheiro de gordura, provocado pelo tradicional uso do óle, evita respingos quentes e não causa queimaduras nas pessoas. O cheiro do vinho é um ingrediente que incrementa ainda mais o ambiente.

Fondue Chinoise

É um fondue feito à base de carnes, peixes, legumes, temperos. Todos esses ingredientes são fervidos num caldo de carne com diversas especiarias. “Os ingredientes entram em ebulição com o caldo, e esse caldo vai absorvendo o gosto, ficando cada vez mais temperado. Ao mesmo tempo a pessoa vai comendo as tiras de carne de peixe, e legumes. No final, a pessoa bebe todo esse caldo. É muito gostoso”, conta Jorge.

O fondue Chinoise não deu muito ibope, afirma Jorge. Para o proprietário, a tríade de sabores carne, queijo e chocolate é um muro a ser derrubado. “Se fugir um pouco dessa tradição, os clientes olham com desconfiança. É uma associação muito forte de fondue e esses três sabores. O fondue de avestruz está no cardápio, mas sai menos do que os tradicionais”, lamenta.

Minha primeira vez

Confesso que, quando minha família saiu de Niterói para Friburgo, em 1994, e já estabelecidos no frio, começou a fazer fondue, eu era muito resistente. Acho que o cheiro do queijo e toda aquela mistura me incomodavam e não experimentei logo de cara. Eu tinha cerca de 10 anos, não me recriminem. Eu achava que Passatempo recheado, Chocolícia, arroz, feijão, bife e batata frita era tudo que eu precisava para a minha vida.

Mas como tudo na vida é questão de maturidade, poucos anos depois eu não resisti. Ainda receoso da mistura de queijos, eu experimentei primeiro o fondue de carne. Explosão de sabores! Lembro daquele filé mignon se desfazendo na minha boca, o caldinho da carne ocupando cada parte do palato, língua e descendo pela garganta em uma mistura de sensações incríveis. Resolvi ousar e misturar a carne no molho de queijo. A primeira sensação foi de arrependimento total. “Por que eu não experimentei antes?”

Para selar de vez o caso de amor com esse primeiro contato, veio o fondue de chocolate. Lágrimas correram pelos meus olhos. O toque amargo que harmonizou com o ácido do morango, o doce da banana, manga e kiwi fez com que eu ansiasse por cada inverno e por cada reunião familiar.

Se fondue não é um pedacinho do céu, eu não quero ir para o chamado “paraíso”. Hoje, no auge dos 30 anos, concordo com Jane Valente e Jorge Bräun: é uma comida para ser compartilhada. Eu realmente não tinha me atentado para este fator. Fondue não é um prato para ser consumido individualmente.

Ao experimentar os deliciosos tipos de fondues durante a realização dessa reportagem, eu pensava em como repetir o programa ao lado de companhias agradáveis, como minha namorada e amigos mais próximos.

Não é um prato para se fartar, é para degustar. Fondue não te deixa de barriga cheia, mas de alma lavada. A conversa, as companhias, as risadas, a satisfação do sabor são elementos que compõem um boa roda gastronômica “fonduresca”, se me permitem o neologismo.

Estou pensando em novas formas de fazer. Como eu gosto de me aventurar na cozinha, vou colocar outros tipos de carne, frango, talvez um frango empanado, uma carne à milanesa. Misturar outros queijos que não os suíços. Para finalizar, colocar uma junção de chocolate amargo, branco, ao leite, derreter um Ferrero Rocher, colocar Nutella pura ou confete. Sorte de quem estiver comigo (se ficar bom, claro).

 

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