Em Córrego Dantas, a união faz a força

quinta-feira, 04 de agosto de 2011
por Jornal A Voz da Serra
Em Córrego Dantas, a união faz a força
Em Córrego Dantas, a união faz a força

Eloir Perdigão

Em Córrego Dantas, um dos bairros que mais sofreu com a tragédia de janeiro, as marcas ainda impressionam. É até difícil de acreditar que um riozinho tão sereno pudesse ter provocado tamanha enchente. E não foi só o rio. Barreiras também deslizaram, destruíram casas, soterraram pessoas. Sem ajuda oficial, os moradores de Córrego Dantas se uniram através da associação, presidida pelo bombeiro militar Sandro Schottz. Esta união fez a diferença e perdura até hoje. Um dos exemplos são os mutirões de limpeza que ainda são realizados todo fim de semana.

Sandro afirma que a união surgida entre os integrantes da associação foi a luz no fim do túnel de muita gente que já estava cansada de tudo e, diante de tamanha união, mais tarde também cerrou fileiras com os diretores para tentar uma solução para os problemas mais urgentes. Essa união deu tão certo que serviu de exemplo para outros bairros.

A diretoria da Associação de Moradores do Bairro Córrego Dantas é formada, além do presidente Sandro Schottz, pelo vice-presidente Edmo Alves Teixeira, primeiro secretário, Rafael Rosa Santos, segunda secretária, Marina Bastos Schottz, primeira tesoureira, Roberta de Lima Sanches, segunda tesoureira, Adriana Cristina Nunes Gripp, diretora de relações públicas, Rosângela Gravino, diretora de divulgação, Natália Darcy Brantes, diretor de patrimônio, José Carlos Gonçalves Pereira, diretor de obras e mutirão, Marcos Antônio de Almeida Thomaz, e diretora social, a presidente anterior Maria José Lima. Mas todos ressaltam a grande ajuda que têm recebido de colaboradores, como Adriano Bachini, Éden, Denise Thuler e Eugênio Lacerda Moraes, entre outros.

Pelos depoimentos pode-se perceber a aflição dos primeiros momentos, a ajuda que não chegava e só o esforço de cada um encontraria as soluções.

SANGUE NOVO – Para Maria José foi providencial a chegada de Sandro, que demonstrou uma liderança muito grande, trabalhou duro e mobilizou outras pessoas. Afinal, Córrego Dantas permaneceu três aflitivos dias debaixo d’água.

A VIDA ENCRAVADA NO BAIRRO – Adriana Gripp admite que a união de esforços surgiu diante a necessidade dos primeiros momentos. Era lama para todo lado. Moradora da parte alta, como tantos outros moradores teve a casa atingida por deslizamentos. Demonstrando um carinho enorme pelos vizinhos, ajudou a cuidar das crianças, num momento em que havia muitas dificuldades, como água e alimentação, enquanto os pais tentavam salvar as pessoas e tirar a lama das casas e das ruas. “Eu quero continuar vivendo aqui, é um bom lugar”, declarou.

DRAGAGEM DO RIO – Para José Carlos, as dificuldades continuam grandes. O diretor de patrimônio da associação admite que a recuperação do bairro é demorada, mas os moradores estão ansiosos por resultados, emperrados em tanta burocracia oficial. Em sua opinião a prioridade é a dragagem do rio, pois o que foi feito até o momento é um paliativo.

E ele demonstra preocupação com a chegada das chuvas. Uma draga está em operação no bairro, mas José Carlos considera muito pouco equipamento diante de tudo que precisa ser feito. Com sua casa e a de sua mãe interditadas na Rua Érico Henz, José Carlos está morando na Travessa Júlio Schottz, pagando aluguel, numa casa atingida pela enchente, porém já reformada. Enfrenta dificuldades, mas se juntou ao grupo da associação para ajudar.

BARREIRAS – Além da enchente jamais vista em Córrego Dantas, as barreiras também provocaram mortes e destruição. A imagem de uma delas não sai da cabeça de João Batista Bachini, tendo provocado a morte de parentes seus. “A coisa foi muito feia”, salienta. Sem contar o desespero por não conseguir contato com familiares em outros bairros, sem telefone, sem poder se locomover por não haver passagem. Passada a aflição, João passou a colaborar nos mutirões, retirando muita lama das casas e ruas.

SITUAÇÃO INDEFINIDA – Moradora da Rua Herculano Gomes da Silva, Rosângela Gravino teve avarias em sua casa provocadas por deslizamentos. E não pode retornar porque ela se encontra em área de risco. Cerca de dois meses após a tragédia houve queda de pedras em dias de sol quente, assustando a todos. Ela e os vizinhos aguardam obras de contenção. Enquanto isso ela mora em Conselheiro Paulino. Sua rua está praticamente deserta. A esperança de Rosângela ressurge com a movimentação de profissionais que fazem estudos do solo no local. “Depois de seis meses a gente está vendo uma luz no fim do túnel”.

NADA ACABOU – Embora moradora do Centro, Roberta de Lima Sanches é de Córrego Dantas, aonde vai todo dia a trabalho e rever amigos e parentes. Perdeu seis pessoas da família na tragédia. Ajudou o marido na loja invadida pela enchente em Conselheiro Paulino e só conseguiu chegar a Córrego Dantas quatro dias após. Cada rosto que via era uma alegria imensa, principalmente quando viu sua mãe. E o que mais chamava sua atenção era a ajuda que partia de todos os lados, um com uma quentinha, outro com um mantimento, com roupa, dividindo uma bica com outros porque não havia água encanada e muitos outros exemplos. E, ao contrário do que ouvia, enfatiza que nada acabou e o bairro ainda vai ficar melhor do antes.

AJUDAR E SER AJUDADA – A família de Natália Darcy Brantes também sofreu com o terror da tragédia. O refúgio foi uma área descampada, ao desabrigo, debaixo de chuva, raios e trovões. E a ajuda que receberam foi fundamental. E nessa corrente de união, Natália se integra e também ajuda. Continua em sua casa e aguarda novo laudo da Defesa Civil, já que ela não corre risco. Mas a Rua Alexandre Bachini está sem iluminação, esgoto ou qualquer outro serviço. Apesar da união e da ajuda entre si, os moradores ainda precisam muito da ajuda do poder público.

O BOM DO GRUPO – Marina Bastos Schottz exalta o trabalho da diretoria da associação. Apesar de cada um ter um cargo, todos fazem um pouco de tudo. E com o empenho de todos, a associação está toda legalizada, com documentos em dia e isto facilita na hora de reivindicar. E as reuniões se sucedem e com boa participação da comunidade. E o clamor maior no bairro, segundo Marina, é a questão das moradias, ninguém sabe se terá a casa de volta ou para onde irá. Essa dúvida permanece.

De acordo com a segunda secretária, toda a alimentação que chegava após a tragédia era levada para o restaurante Toca da Raposa, colocado à disposição da comunidade pelo proprietário Antônio Oliveira. Ali um grande grupo fazia a comida e a distribuía em quentinhas. Assim a situação permaneceu por cerca de 15 dias. E o local ainda funcionou como um pequeno pronto-socorro. A Toca da Raposa foi uma espécie de quartel-general da tragédia. Não havia água, luz, telefone, ônibus. No início, ir ao Centro, só a pé. Mais tarde as caronas começaram a ser organizadas entre os próprios moradores. E assim as coisas só foram melhorando dois meses após.

A UNIÃO QUE MOTIVA – Comerciante que ficou muito tempo sem poder trabalhar, Rafael Rosa Santos também chegou a pensar em sair do bairro. Mas preferiu se unir ao grupo de trabalho, que aumentava a cada dia, fazendo mutirões. “A união do pessoal me segurou aqui”, garante. E decidiu ajudar pessoas que até haviam sofrido mais do que ele.

O DESPERTAR DE UMA LIDERANÇA – Sandro Schottz é bombeiro militar e presidente da Associação de Moradores de Córrego Dantas. Como é praxe entre os bombeiros, começou a trabalhar nos salvamentos próximo de casa. E não atuou somente como bombeiro, foi além, muito além, com testemunhos dos próprios vizinhos e amigos. O bombeiro Sandro trabalhou determinado, todos os dias, sem parar.

Passados 15 dias ele se voltou às questões do bairro e sua recuperação. Juntou-se à ex-presidente Maria José, a Cláudio Werneck, outra antiga liderança local (que integrava a diretoria anterior), entre outros, para buscar ajuda, quando pôde constatar a dificuldade de contar com ajuda da Prefeitura, às voltas com o caos em quase todo o município. A solução foi pôr mãos à obra na própria comunidade.

Foram levantadas as primeiras demandas, em meio a histórias tristes, de perdas humanas, e tudo tinha que ser suplantado. Todos criaram forças para reagir, se organizaram e foram buscar soluções.

Os mutirões foram uma das soluções encontradas. Um pontilhão de madeira foi improvisado para que ao menos as pessoas pudessem atravessar o rio. Muita lama foi e continua sendo tirada das ruas e das casas até hoje. E esse trabalho se tornou a mola-mestra do movimento, integrou mais a comunidade e aperfeiçoou o vínculo afetivo da comunidade e chamou a atenção do poder público, da mídia e de toda a sociedade friburguense.

Ninguém ficou reclamando e partiu para a ação. Para Sandro, o maior fruto desse trabalho foi justamente a união das pessoas. Reverteu até a ideia que alguns tinham de partir do bairro, e ali decidiram permanecer e lutar. “O maior ganho que a gente está tendo hoje é essa questão social, esse movimento comunitário”, afirma Sandro. E os mutirões continuam, bem como as reuniões, todas as terças-feiras, no salão da Capela Nossa Senhora das Graças.

CÓRREGO DANTAS.ORG – Quem quiser conferir o trabalho desenvolvido no bairro pode acessar o site corregodantas.org. Segundo Sandro, o que é mostrado no site se contrapõe à ideia de que o Córrego Dantas acabou. “Não acabou, tem um bonito movimento, com gente que se supera e escreve uma bonita história”.

Ao encerrar, Sandro citou a prioridade número um em Córrego Dantas: a questão da habitação, porque muitas casas foram destruídas, outras se encontram em área de risco, marcadas para serem demolidas, outras interditadas, e as pessoas não têm uma solução quanto ao seu futuro, vivendo em situações precárias.

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