Cruz Vermelha alerta: “Friburgo não está preparada para um novo evento climático”

Líder dos voluntários diz que muitas obras deixaram de ser feitas e que chuvarada que castigou capital teria causado nova tragédia caso subisse a serra
sábado, 13 de abril de 2019
por Adriana Oliveira (aoliveira@avozdaserra.com.br)
Os voluntários da Cruz Vermelha de Nova Friburgo (Arquivo AVS)
Os voluntários da Cruz Vermelha de Nova Friburgo (Arquivo AVS)
A filial friburguense da Cruz Vermelha Brasileira, que atende toda a Região Serrana, surgiu de forma espontânea, logo após a tragédia de 2011, quando cerca de 150 voluntários treinados vieram de todo o Brasil e até mesmo do exterior para atuar no socorro às vítimas. Na época, arregimentaram rapidamente os braços disponíveis: nas igrejas, associações de moradores, jipeiros, motociclistas. Hoje a Cruz Vermelha friburguense conta com 140 voluntários treinados, capacitados e uniformizados, segundo o presidente da entidade, Luiz Cláudio Rosa. Um exército de abnegados que, para o bem da coletividade, não para de crescer.

“Infelizmente, no Brasil não temos a cultura dos primeiros socorros”

Luiz Cláudio Rosa, Cruz Vermelha-NF

Para Luiz Cláudio, que lidera a organização desde 2011, Nova Friburgo não está preparada para um novo evento climático, com chuvas acima de 230mm, como as que impactaram tanto Friburgo oito anos atrás quanto a capital no início desta semana. Por “sorte”, segundo ele, o sistema de baixa pressão que provocou a chuvarada tomou o rumo do Norte Fluminense, em vez da Região Serrana. Se viesse para as montanhas, as consequências poderiam ser ainda mais trágicas.

“Muitas obras deixaram de ser feitas em Friburgo após a tragédia. Falta, por exemplo, a contenção de encostas em várias localidades que continuam suscetíveis. Há muitas comunidades ainda vulneráveis: em São Geraldo; na Vilage; o Loteamento Rosa Branca, no Três Irmãos, em Conselheiro. Falta mais treinamento nas comunidades, nas áreas de risco. Se cai uma chuva torrencial de madrugada, será mais  seguro para o morador de uma área de risco sair de casa e enfrentar o temporal? É preciso reavaliar os pontos de apoio, sua localização, a quantidade e frequência de exercícios simulados”, avalia Luiz Cláudio.

Mais de 20 mil em áreas de risco

Se o temporal desta semana no Rio deixou dez mortos, o maior desastre natural da história do país deixou mais de 400 mortos só em Nova Friburgo. Um levantamento feito em 2018 mostrou que ainda há mais de 20 mil pessoas vivendo em áreas de risco no município.

Conectados aos serviços de meteorologia, à Rede de Defesas Civis Estaduais (Redec) e pelas redes sociais, os voluntários da Cruz Vermelha-NF estão sempre prontos para agir, mediante convocação ou por iniciativa própria. Em 2013, por exemplo, eles resgataram 56 pessoas alagadas durante um temporal em Teresópolis. A mais recente intervenção foi durante o temporal que inundou Salinas no domingo passado, 7. Também dão apoio a eventos com grandes aglomerações, como réveillon e carnaval, e também a entidades filantrópicas, como o yakisoba solidário do Lar Abrigo Amor a Jesus (Laje), neste domingo, 14.

“Eles sempre realizam um trabalho excepcional quando solicitados. No carnaval, por exemplo, tiveram uma rotina intensa e foram de suma importância para a festa ter transcorrido sem incidentes graves. São grandes parceiros em todos os eventos de grande porte em Friburgo”, diz o secretário municipal de Turismo, Pablo Sprei.

Moradora da Rua Farinha Filho, Eliana Lucia Soares Barbosa conta que deve à Cruz Vermelha a vida de seu irmão.  Estava a família num churrasco em casa na abertura do carnaval deste ano quando o irmão, portador de Parkinson, engasgou-se com um pedaço de carne. “Foram mais de dez minutos de pânico. Descemos e logo encontramos um grupo de voluntários. Eles subiram os três andares do prédio, mais os outros dois do apartamento, com uma rapidez impressionante. Aplicaram uma técnica e salvaram meu irmão”, conta Eliana.

Os voluntários da Cruz Vermelha nada recebem além da gratidão dos socorridos. Equipamentos como picape, ambulância, barcos infláveis, cordas, capacetes, capas de chuva e galochas são todos doados pela Cruz Vermelha do Rio de Janeiro ou comprados com recursos próprios, obtidos através de cursos e treinamentos prestados, como o de primeiros socorros.

Lei obriga primeiros socorros em escolas

Outra fonte de recursos é o treinamento de primeiros socorros para professores e funcionários de escolas, que a partir deste mês passa a ser obrigatório, por força de lei federal, tanto em estabelecimentos públicos quanto privados. A 13.722/18 foi batizada de Lei Lucas em homenagem ao garoto Lucas Begalli Zamora, de 10 anos, que morreu em setembro de 2017 ao se engasgar com um lanche durante um passeio escolar em Campinas (SP). O texto, sancionado em outubro para entrar em vigor em 180 dias, determina que todas as escolas, creches e berçários tenham profissionais treinados em primeiros socorros, capazes de agir em situações emergenciais, até a chegada de equipes médicas. Os cursos devem ser ministrados por entidades especializadas em práticas de auxílio imediato e emergencial à população.

“Infelizmente, no Brasil não temos a cultura dos primeiros socorros”, lamenta Luiz Cláudio.

Nova turma em 25 de abril

Para entrar na Cruz Vermelha de Nova Friburgo, o candidato a voluntário precisa fazer o curso de primeiros socorros, com carga horária de 30 horas, num total de dez quintas-feiras, das 19h às 22h, na sede da organização (Praça Getúlio Vargas, 92). Uma nova turma começa agora, no próximo dia 25 de abril. O custo é R$ 200, em duas parcelas. Comunidades carentes  também recebem esse treinamento, gratuitamente, uma vez por ano. Já foram beneficiados moradores de Córrego Dantas, Campo do Coelho, Amparo, São Geraldo, Conselheiro Paulino, Riograndina e Maria Teresa. Há treinamentos também de sobrevivência na selva e de resgates em áreas de difícil acesso.

Os voluntários da Cruz Vermelha friburguense são de todas as profissões e idades. São donas de casa, autônomos, advogados, empregados do setor de comércio e serviços. Jovens de 16 até sexagenários, parte de uma organização que, mundialmente, chega a quase cem milhões de pessoas.

A Cruz Vermelha é um movimento internacional humanitário, criado em 1863 em Genebra e premiado três vezes com o Prêmio Nobel da Paz, por aliviar o sofrimento humano em guerras e conflitos. Por isso a bandeira é igual à da Suíça, mas com as cores invertidas.

 

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