Correios e carteiros: uma viagem entre linhas, por estradas e pelo tempo

Histórias e memórias da época em que cartas eram escritas à mão e entregues a pé
sexta-feira, 19 de janeiro de 2018
por Dayane Emrich
Correios e carteiros: uma viagem entre linhas, por estradas e pelo tempo

Mandar uma mensagem nunca foi tão fácil.  Com internet, redes sociais e aplicativos de celular, basta alguns toques e lá vai o texto. Pronto, entregue! É tão comum e prático que fica difícil imaginar um mundo onde um mero bilhete, umas poucas linhas que fossem podiam demorar dias ou até meses para chegar ao destino final.

Era o caso das cartas, consideradas a mais antiga e principal forma de comunicação à distância desde a invenção da escrita até o final do século XX. Elas chegaram ao Brasil junto com os primeiros portugueses. Isso porque, assim que a esquadra de Pedro Álvares de Cabral aportou no país, Pero Vaz de Caminha enviou uma correspondência ao rei comunicando o descobrimento das novas terras. O escrito foi levado a Portugal por um dos navios, que retornou dez dias depois.

Chamados inicialmente de mensageiros, que levavam os recados escritos a pé ou montados em cavalos, em terras brasileiras os primeiros entregadores de correspondências ficaram conhecidos como tropeiros. Estafetas, carregadores de mala postal e inspetores de serviço postal também foram alguns dos nomes que, com suas peculiaridades, marcaram diferentes épocas da história postal e o início de uma importante profissão no país: a de carteiro.

No calendário nacional, o ofício é celebrado neste 25 de janeiro, Dia do Carteiro. A data foi escolhida em homenagem à criação do Correio-Mor da Monarquia Portuguesa no Brasil (serviço postal), que aconteceu em 1663 e em 2018 completa 355 anos. Em reverência à data, A VOZ DA SERRA traz uma reportagem especial sobre a importância dos serviços dos carteiros e o longo processo de instituição da organização postal no país.

Faça chuva ou faça sol

Eu estava no sexto ano do ensino fundamental e tinha 11 anos de idade. Havia levado os livros e cadernos para aprender um pouco mais sobre gramática. Mas naquele dia a professora de português -- da qual, apesar de me recordar da fisionomia, não me lembro o nome -- passou uma atividade diferente para a turma. Ela nos pediu que escrevêssemos cartas para o colega ao lado. Nos ensinou como deveria ser o “cabeçalho”, onde local e data deveriam ser escritos; o uso do vocativo e as formas de se encerrar o texto. Ela nos ensinou também a dobrar o papel e fazê-lo caber perfeitamente dentro do envelope; como escrever o destinatário e o remetente; e onde colar o selo.

Desde aquele dia peguei o gosto pela coisa e mantenho o hábito de escrever cartas. Aprendi também que, pelas mãos daqueles moços de blusas amarelas e calças azuis, chegavam notícias de gente que morava longe e,  quando eles chegavam com um envelope nas mãos, as pessoas se empolgavam”.

O relato de Anne dos Santos, de apenas 24 anos, é raridade. Afinal de contas, como disse o jornalista Celso Ming em um artigo publicado em 2009 pelo jornal Estadão: “Ninguém mais escreve cartas”.

Nove anos depois da afirmação, o hábito milenar de enviar e receber correspondências envelopadas com selo e tudo está ainda mais escasso, assim como as trocas de cartões de boas festas. O fato nos leva a questionar: como ficam os carteiros e os Correios com essa revolução?

Se por um lado eles estão deixando de ser intermediários entre remetente e destinatário, por outro estão assumindo uma porção maior do mercado de envio de pacotes de todos os tipos, principalmente pelo Sedex. O motivo, é claro, o aumento das compras online.

De acordo com os Correios, para atender a um país com dimensões continentais como o Brasil, e fazer a entrega dos 8,3 bilhões de objetos por ano, a ECT possui em seus quadros mais de 56 mil carteiros, o que representa mais da metade do efetivo da empresa. Deste total, cerca de 10% são mulheres.

Outro dado interessante é que, juntos, os carteiros do Brasil percorrem por dia cerca de 397 mil quilômetros, o equivalente a quase dez voltas completas ao redor da Terra, segundo o site dos Correios. Faz sentido, uma vez que o diâmetro da Terra é 12.742 km. Antes de ir às ruas, porém, eles fazem a separação da carga postal por ordem de ruas e de numeração.

Além de enfrentar chuva e sol, os carteiros são desafiados diariamente por outras dificuldades. O peso das entregas e as muitas horas de caminhada pela ruas da cidade são só alguns dos obstáculos diários desses profissionais. Há ainda a falta de identificação de ruas, do número de residências; ausência das caixinhas de correio e os tão temidos ataques de cães.  

Mas esta figura simpática que passa todos os dias por nossas casas tem muito do que se orgulhar. Segundo um estudo internacional da consultoria Gfk, realizado no ano passado, os carteiros estão em segundo lugar, com 92% de aprovação, no ranking das profissões mais confiáveis do mundo.

O ofício está na frente dos professores, médicos, das Forças Armadas, organizações de proteção ambiental e perde apenas para os bombeiros, que tiveram 98% de aprovação. E não é difícil entender a colocação. Afinal, além dos avisos de banco, boletos, cobranças, são eles que levam até a nossa porta mensagens de alguém que se lembrou de nós ou aquele objeto encomendado e ansiosamente aguardado. É o carteiro, com a bolsa que castiga os ombros, quem por meio de passos escreve a história e quem dedica toda uma vida a comunicação, seja ela a curta ou longa distância.

Dos ofícios da corte às entregas domiciliares

A evolução do serviço dos Correios em terras brasileiras está ligada à evolução da administração pública e da tecnologia no país. De acordo com historiadores, a coroa lusitana, interessada em controlar as informações sobre as riquezas da colônia, proibiu a atuação do Correio-Mor no interior do país a partir de 1730. Esses fatos, entretanto, levaram a experiências de criação das primeiras linhas de transporte postal organizadas pelos representantes do estado português, ainda que de uma forma embrionária.

Luiz Gomes da Matta Neto foi o primeiro carteiro do Brasil. Ele já atuava como Correio-Mor em Portugal, passando depois a ser o responsável em terras brasileiras pela troca de correspondências da corte portuguesa. Em 1808, com a vinda da família real para o Brasil, o Correio teve sua importância destacada, com o Rio de Janeiro tornando-se a capital de fato do Império português. O serviço postal interno foi regulado e a primeira agência postal oficial do interior criada na cidade de Campos dos Goytacazes.

Também naquele ano, em 22 de novembro, foi instituído o Regulamento Provisional da Administração Geral dos Correios da Coroa e Província do Rio de Janeiro, considerado o primeiro Regulamento Postal do Brasil. Logo depois, Dom Pedro I reorganizou os Correios do Brasil e iniciou o processo de criação de administrações nas províncias.

Já sob o governo de Dom Pedro II, as reformas postais instituíram o pagamento prévio de franquia unificada; o lançamento dos primeiros selos postais; a criação do quadro de carteiros, de caixas de coleta e de postais; além da distribuição domiciliária de correspondência na Corte e nas províncias. Foi estabelecido o serviço telegráfico e o Brasil aderiu, por tratados, aos organismos internacionais de telecomunicações então recém-criados.

Em 1835, o Correio da Corte passou a fazer a entrega de correspondências a domicílio. Porém, só tinha direito a essa exclusividade as casas particulares e comerciais que pagassem uma contribuição de 10 a 20 mil réis por ano.

Funcionando separadamente, a Repartição Geral dos Telégrafos e o Departamento de Correios só se uniram em 1931, criando o DCT – Departamento de Correios e Telégrafos. Anos depois, em 1969, o antigo DCT foi transformado na atual ECT – Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos.

 

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