Cineclube Lumiar comemora 10 anos cheio de planos

Idealizador Pedro Kiua fala de suas motivações e da importância do equipamento cultural para a comunidade
sábado, 17 de março de 2018
por Leo Arturius (leo@avozdaserra.com.br)
Pedro Kiua: em busca de um polo criativo efervescente (Arquivo pessoal)
Pedro Kiua: em busca de um polo criativo efervescente (Arquivo pessoal)

As crianças e adolescentes de hoje vivem neste mundo high tech, construindo e aprendendo novas formas de ser e pensar, a todo instante, o que possibilita o surgimento de uma nova lógica de mundo a cada ano. Lógica esta que se constrói a partir da diversidade que permeia o sujeito, pois está no processo de construção e desconstrução do mundo plural e coletivo. A arte se torna, mais do que nunca, elemento de embasamento para refletir e questionar o mundo, e, em relação ao cinema, sua valorização no Brasil para além das salas comerciais começaram na metade do século passado.

Em 1956 surge em São Paulo, o Centro dos Cineclubes de São Paulo, a primeira instituição a facilitar a distribuição de recursos para outros grupos espalhados pelo Brasil, estes com propósito de disseminar o cinema não comercial e independente.

Com o surgimento do Cinema Novo, na década de 1960, o cinema brasileiro desponta devido à sua qualidade artística, e, com isso, o movimento cineclubista cresce em universidades e escolas, vertiginosamente. Tal movimento chamou a atenção da importância do cineclubismo ao redor do país, principalmente pelo fato de expandir a cultura brasileira para os brasileiros sem acesso. Logo no período de expansão há o golpe militar, a ditadura se instaura, ou seja, tudo que representa movimento cultural se extingue e o processo cineclubista cessou.

Apenas em 1973, com a fundação da Associação Brasileira de Documentaristas e Curtas-Metragistas as ações retornam e começam a se espalhar. Muitas dificuldades foram encontradas, principalmente em obter cópias dos filmes - lembre-se de que se trata de um período em que os filmes eram exibidos em película - tendo a maioria confiscada durante a ditadura.

Os cineclubes voltam com força total no início da expansão da mídia DVD e do sistema digital no começo dos anos 2000. O movimento cresce, de novo, vertiginosamente, e com ele a consolidação do Cineclube Lumiar que completou 10 anos, este ano, devido o amor ao cinema de seu idealizador Pedro Kiua. Graduado em Cinema pela UFF, Amante da sétima arte e com trajetória de obter exibições ininterruptas, mesmo durante a tragédia climática de 2011, Lumiar e Pedro são exemplos de resiliência para o Brasil.

Em Lumiar, na semana especial de aniversário do cineclube, o público pôde contemplar o filme “Gabriel e a Montanha”, de Fellipe Barbosa, que conta a história real de Gabriel Buchmann. Gabriel é um jovem aventureiro cheio de planos. Antes de se preparar para a vida acadêmica na Universidade da Califórnia, ele decide ir para a África. Durante a viagem, o jovem decide subir o Monte Mulanje, um dos mais altos do Malawi e desaparece. Após a sessão, teve um bate-papo enriquecedor e descontraído com o ator e protagonista João Pedro Zappa. Nesta entrevista, Kiua fala sobre o Cineclube Lumiar.

AVS: Qual foi o seu maior motivador para criar o Cineclube Lumiar há 10 anos?

Pedro Kiua: Em 2008 eu estava terminando o curso de cinema na UFF e vim passar uma temporada em Lumiar para terminar de escrever minha monografia. A beleza e a tranquilidade do vilarejo me encantaram e logo lá estava eu morando e envolvido em projetos locais. Eu me perguntava na época: o que eu posso fazer de forma constante e prazerosa para contribuir com o desenvolvimento dessa comunidade que estou fazendo parte? Eu havia vivido intensamente uma cultura cineclubista na faculdade e queria compartilhar uma extensa cinematografia que me inspirava. A ideia de começar um cineclube em Lumiar veio a partir dessa reflexão, e também por uma necessidade minha de conhecer pessoas e fazer novas amizades, especialmente aquelas que gostassem de ver e falar sobre filmes (durante o processo de monografia você fica louco querendo conversar com alguém sobre o que está estudando...). Ao longo destes 10 anos, outras pessoas foram chegando na equipe do Cineclube Lumiar e trazendo suas próprias visões, ajudando a levar adiante o projeto, o que foi e continua sendo muito motivador.

Lumiar é um distrito de Nova Friburgo conhecido país afora, e muito disso se deve ao estilo hippie da década de 70. Hoje, o seu cineclube faz o mesmo papel a partir do cinema. Aos seus olhos, como as sessões de cinema tem agregado valor aos lumiarenses?

Lumiar tem muitos atrativos, uma natureza exuberante e uma diversidade cultural incrível. Muitos vêm para cá e se estabelecem com ideais de um modo de ser e viver alternativos e fora dos padrões convencionais. O Cineclube Lumiar se inspira nesses ideais ao promover a integração da comunidade num ambiente laico e de livre pensamento, onde possam ter acesso a obras cinematográficas que despertem discussões construtivas, relevantes e transformadoras. Acredito que a maior contribuição que o Cineclube Lumiar trouxe localmente foi firmar esse espaço afetivo do encontro entre o público e o cinema, onde pessoas se conhecem, ideias surgem e a comunidade se desenvolve. Além de uma opção de lazer e divertimento, nós cineclubistas acreditamos no poder do cinema em gerar debates sobre temas importantes para o fortalecimento da cidadania e o desenvolvimento social. Com seriedade nesse compromisso, o Cineclube Lumiar se tornou um dos mais antigos em atividade semanal ininterrupta do país -  chamando a atenção de diversos realizadores que vem exibir seus filmes e conversar com o público de Lumiar.

Em 2011, Nova Friburgo sofreu a maior tragédia climática do Brasil, e mesmo assim as sessões não pararam. Qual a importância em manter as exibições durante um momento tão delicado como aquele?

O distrito de Lumiar propriamente não foi tão afetado pela catástrofe de 2011, mas mesmo assim ficamos quase uma semana inteira sem luz e telefonia. No fim de semana seguinte aos acontecimentos, a luz voltou e resolvi fazer a sessão regular de domingo mesmo sem ter feito divulgação ao longo da semana. Foi uma surpresa constatar que mesmo sem divulgação, o público compareceu na hora marcada de sempre. A sessão de domingo do Cineclube Lumiar havia se tornado uma referência, onde as pessoas tinham a certeza de se encontrar para ter acesso a informações e compartilhar suas narrativas e impressões sobre o que tinha acontecido. A partir daí as questões ambientais marcaram profundamente o recorte de nossa curadoria. Fomos buscar filmes que provocassem esta reflexão no público e gerassem o debate. Títulos como: Percepção de Risco, Tempo de Mudança, a  Trilogia Qatsi, Ecovilas Brasil, Água e Cooperação, Carioca Era Um Rio, e tantos outros dentro do tema - desequilíbrio ambiental e suas consequências – tornaram-se “clássicos” do Cineclube Lumiar, bem como fonte de muitas boas discussões entre nosso público.

Recentemente o Cineclube Lumiar precisou fazer uma “vaquinha online” para adquirir um novo projetor. Hoje, quais são as principais necessidades para a permanência do projeto?

O Cineclube Lumiar é uma associação cultural sem fins lucrativos, que funciona com base no trabalho voluntário de uma equipe de colaboradores – muito deles parte do próprio público – com quem todas as questões do projeto são compartilhadas, buscando uma resolução de responsabilidade comum. Nosso maior desafio é oferecer a melhor experiência de fruição cinematográfica possível para nosso público e para isso contamos com uma pequena rede local de parceiros e apoiadores para a manutenção das nossas atividades. Atualmente nosso maior parceiro é a Tribuna Livre Cultural, que patrocina o espaço onde acontecem as sessões regulares aos domingos. Mas é ainda uma necessidade permanente do Cineclube Lumiar aumentar sua rede de colaboradores e encontrar parceiros que compartilhem da mesma visão e queiram promover a cultura cineclubista no município.

Quais são os novos objetivos para os próximos 10 anos do Cineclube Lumiar?

O Cineclube Lumiar quer muito ver acontecer um polo criativo efervescente na cidade, onde, de fato, a população tenha acesso às artes, a uma vida cultural e possa pensar a si mesma. Adoraríamos poder expandir nossas atividades regulares para outros espaços, bem como realizar itinerância para outras regiões de Nova Friburgo. Após uma década de atividade ininterrupta, buscamos um maior reconhecimento e incentivo do município para continuar por muito mais tempo nossas ações. O Cineclube Lumiar incuba muitos projetos como filmes, publicações, mostras, festivais, cursos e residências artísticas, que espera realizar nestes próximos anos. Assim como nossos colegas cineclubistas de todo Brasil, sonhamos com um futuro onde a atividade seja mais bem reconhecida e incentivada por políticas públicas sérias. Até lá, seguimos resistindo.

 

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TAGS: Cinema
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