A perda do ideal nas relações humanas

quinta-feira, 05 de setembro de 2019

Existem diferentes tipos de perdas na vida. Algumas mais dolorosas e complexas do que outras. Todos precisamos lidar com perdas, queiramos ou não. Há perdas pessoais, em nosso interior. Ou elas podem ocorrer em nossos relacionamentos. Também atingem nosso trabalho, nossa vida social, econômica e política, bem como a espiritualidade.

Gostaríamos de viver num mundo ideal, sem violência, sem competição, que contribuísse para a serenidade, onde houvesse segurança, igualdade, justiça. Mas estamos longe desta realidade social. Muito longe mesmo. E parece impossível chegar lá.

Segundo estudos da Oxfam, uma confederação global com objetivo de combater a pobreza, as desigualdades e injustiças no mundo, atuando em 93 países, os 5% mais ricos do Brasil detêm a mesma fatia de renda dos outros 95%. Eles concentram, juntos, a mesma riqueza que os 100 milhões mais pobres do país, ou seja, a metade da população brasileira (207,7 milhões). Se os seis mais ricos do Brasil gastassem um milhão de reais por dia, juntos, levariam 36 anos para terminar com sua riqueza. Os super ricos (0,1% da população no Brasil), ganham por mês o que um trabalhador que recebe um salário mínimo mensal ganharia trabalhando 19 anos seguidos.

Gostaríamos de ser pessoas ideais. O que é ser ideal? Talvez uma pessoa assim poderia ser sempre alegre e animada, mansa, serena, com autocontrole emocional, honesta, sincera, verdadeira, empática, cooperadora, gentil, amável, misericordiosa, ética, amiga etc. Você conhece alguém assim? Você tem estas características?

Também gostaríamos de conviver com pessoas ideais, no trabalho, na família, no casamento, na vida social, na comunidade religiosa que frequentamos. Podemos gastar muito tempo, energia e até dinheiro em nossa vida em busca da pessoa ideal. Alguém disse que talvez o melhor neste contexto não é se angustiar por buscar a pessoa ideal, mas procurar ser a pessoa ideal.

Li outro dia uma frase interessante que dizia: “A obrigação de gostar de mim, não é dos outros. É minha.” Faz sentido, não é? Mas tem muita gente até inteligente que acredita que a noção de autovalor, que o amor por si depende muito mais de alguém lá fora. Esta crença pode realmente criar muito estresse nos relacionamentos.

Em parte é verdade que vários de nossos problemas podem ter raízes nas falhas de outros. Nossos pais podem ter cometido erros ao nos criar e com isso ter contribuído para o surgimento de feridas emocionais em nós. Porém, nossos sofrimentos são causados por uma combinação de fatores que incluem os erros dos outros sim, mas também por causa de equívocos que fizemos ou ainda fazemos.

É mais fácil culpar as outras pessoas por nossos problemas do que admitir que temos dificuldades pessoais, inerentes à nossa personalidade e caráter. Diante de sofrimentos, no trabalho, na vida familiar em geral, no casamento e em outros relacionamentos e circunstâncias, temos escolhas de como lidar com isso. Podemos ficar culpando os outros pelos erros deles, mas isso não modificará ninguém, nem eles e nem nós mesmos. Ou podemos começar a pensar numa maneira melhor de lidar com as falhas das pessoas com quem convivemos. E também pensar em como modificar nossa forma de agir que produz sofrimento nos outros.

Alguns podem viver anos numa ilusão de ideal. Em relacionamentos conjugais isto pode ser vivido pelo cônjuge como uma expectativa que colocada em palavras seria: “Deve ter alguém lá fora que suprirá todas as minhas necessidades afetivas”. Tem mesmo? Existe alguém ideal “lá fora”? Ou uma “pessoa interessante” também tem problemas?

Aceitar o não ideal. Em nós e nos outros. Se caminharmos nesta direção, sem revolta, no tempo que aguentamos, em nosso ritmo pessoal, individualmente, sem esperar que o outro também faça isto, poderá trazer alívio e reduzir a frustração. Aceitar o que não podemos mudar pode produzir serenidade.

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César Vasconcelos de Souza

Cesar Vasconcellos de Souza

Saúde Mental e Você

O psiquiatra César Vasconcellos assina a coluna Saúde Mental e Você, publicada às quintas, dedicada a apresentar esclarecimentos sobre determinadas questões da saúde psíquica e sua relação no convívio entre outro indivíduos.

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