O suicídio na classe médica: quem cuida do cuidador?

quarta-feira, 05 de julho de 2017

O suicídio na classe médica: quem cuida do cuidador?

Nós, médicos, lidamos com o sofrimento humano dia após dia, ano após ano. Sofrimento, sofrimento, sofrimento. Médico sofre também? Médico também tem doenças físicas, angústia, depressão, também se suicida? Infelizmente sim.

Mesmo num país do “primeiro mundo”, como os Estados Unidos, a cada ano entre 300 a 400 médicos se suicidam. Um médico por dia se mata naquele país. Ainda que os médicos tenham uma menor estatística de morte por câncer e doença cardíaca, talvez pelo conhecimento do que fazer e acesso rápido ao diagnóstico, eles apresentam um risco maior de morte por suicídio. E é impressionante que o suicídio, depois de mortes por acidentes, é a causa mais comum de morte entre estudantes de medicina.

Uma das razões para esta tragédia no meio médico é a depressão ou outras desordens mentais não tratadas devidamente, incluindo o alcoolismo e abuso de outras drogas; facilidade de acesso a métodos letais e outros fatores. De 15% a 30% dos estudantes de medicina e médicos residentes apresentam sintomas depressivos. E isto ocorre em vários países.

Estudos de psicossomática (como o corpo afeta a mente e como a mente afeta o corpo) revelam que a depressão é também um fator de risco para enfarte do miocárdio em médicos homens, assim como afeta o sistema imunológico, facilitando a ocorrência de doenças infecciosas e câncer. As formas mais comuns de suicídio em médicos são por doses exageradas de medicação letal e armas de fogo. (Fonte: http://emedicine.medscape.com/article/806779-overview).

Médicos em geral relutam em procurar ajuda para seus sofrimentos, especialmente diante de desordens mentais. Um estudo envolvendo cirurgiões mostrou que ainda que 1 em 16 médicos tivessem vivido ideias suicidas nos últimos 12 meses, somente 26% havia procurado ajuda psiquiátrica ou psicológica. Os que sofrem profunda tristeza sentem uma pressão grande para sempre se aparentarem saudáveis, sofrem a angústia de que precisam estar bem para mostrar habilidade em curar outros. É comum familiares de médicos que cometeram suicídio dizerem que não percebiam ou pensavam que eles tinham sofrimento. Daí, o suicídio de pessoas que não falavam nada de seus sofrimentos ser uma surpresa para todos.

Na mente depressiva existem fortes sentimentos de desvalor e desesperança que podem chegar ao ponto da pessoa achar que a saída é fugir da realidade pela morte para acabar com a dor. Médicos em sofrimento mental têm dificuldade em falar disto para outro colega por acharem arriscado, vergonhoso, e que se tornariam vulneráveis numa profissão que todos os têm como super heróis que curam tudo e todos. Não curamos tudo e todos. Adoecemos e morremos. Não somos deuses.

Muitos médicos, diante de problemas familiares, adiam a procura de ajuda evitando conflitos. Estes problemas conjugais, familiares, separação, divórcio, junto com outros conflitos, contribuem para a depressão e podem facilitar o pensamento suicida caso não sejam abordados, falados, analisados com aconselhamento.

Em Medicina há constantes mudanças devido a novos achados científicos, há a pressão dos pacientes e familiares deles, pessoas com doenças complicadas e terminais, plantões cansativos, planos de saúde pagando mal ao médico, falta de equipamentos e material médico em unidades de saúde do governo necessários para um tratamento adequado dos pacientes, telefonemas e mensagens por email e celular que pacientes e seus parentes fazem constantemente ao médico pedindo mais orientação, consultas de emergência em qualquer hora e dia, tudo isso gera muito estresse na vida do médico, podendo causar burnout (esgotamento), depressão e sensação de não ter saída.

Médicos vivem tentando salvar vidas, tirar pessoas da dor física, da dor emocional, restaurar a saúde dos outros, e isto custa muito estudo, estágios, cursos, congressos, leitura, seminários, atualizações. O médico precisa de ajuda também. E isto pode se dar por ele mesmo colocar limites para excesso de trabalho e para pacientes e/ou familiares abusivos, abrir seu coração com alguém preparado para ajudar, desenvolver a espiritualidade, mudar conceitos de felicidade que o mundo conecta com a riqueza material, e entender que ele não é um deus, por isso tem limites, dores, angústia e tristeza, como todo ser humano. Fonte: http://emedicine.medscape.com/article/806779-overview#a2

Também ajuda a aliviar e gratificar o trabalho do médico quando um paciente manifesta gratidão pelo trabalho dele. E isto é tão fácil fazer, não é? Bastam algumas poucas palavras sinceras. 

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César Vasconcelos de Souza

Cesar Vasconcellos de Souza

Saúde Mental e Você

O psiquiatra César Vasconcellos assina a coluna Saúde Mental e Você, publicada às quintas, dedicada a apresentar esclarecimentos sobre determinadas questões da saúde psíquica e sua relação no convívio entre outro indivíduos.

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