Sem telas

sexta-feira, 09 de agosto de 2019

Seria um dia como qualquer outro, mas não era. Não, porque em todos os demais dias, o despertador toca às seis da manhã, os segundos que passam pela catraca são computados, a agenda está sempre lotada e o cansaço que lhe é praticamente inerente sinaliza o dia cheio de trabalho, compromissos e tarefas. De nada reclama, afinal, ele é brasileiro, o emprego está difícil, ele tende a ser feliz e não costuma desistir da labuta por conta de dias cheios.

Aquele dia era especial pois ele estava de férias. Havia planejado desligar-se dos problemas do mundo e aproveitar para descansar. Ele nada fez. Não teve nenhum compromisso, página da agenda vazia, sequer de problema se lembrava. Pronto, era o tão almejado “dia de fazer nada” que ele sonhou pelos últimos 12 meses. Sem despertador, inclusive.

Mas algo deu errado no plano. Não teve o som do alarme tocando cedo como de costume, mas logo ao despertar, as luzes da tela do celular ofuscaram sua visão ainda embaçada pelo sono. Sua mente que deveria encher-se de nada (vale a antítese), ocupou-se da vida dos outros. Ao aparecer “online” para o mundo, atraiu para si demandas que não pretendia ter. Mas visualizou, não teve jeito. Foi tragado pela tela. O canto dos passarinhos que pretendia ouvir, fora sumariamente esquecido e substituído por vozes, músicas, ruídos. Aquele barulho que a gente sabe. E ao final daquele dia de “descanso”, sentiu-se exausto.

Cansado sem compreender a razão, sentia dores no pescoço e os ombros pareciam rígidos. Foi premiado por uma dor de cabeça ao entardecer além de minado pela sensação de dia perdido. Ele estava certo. Perdeu sua energia para as telas, por sua própria responsabilidade e escolha. Deixou o tempo passar sem que percebesse o desperdício. Não fez o que queria ter feito – ou que não queria, pois nada fazer além de uma escolha, dependendo da conjuntura, é um privilégio. É a vida moderna. E “ele” representa cada um de nós. Será que também se indaga se fomos feitos para confrontar nossos sentidos com tantas informações e experiências visuais, auditivas, sensoriais? Artificiais.

Decidiu desligar. Não a si próprio, mas o aparelho celular em primeiro lugar. Despiu-se da necessidade de se manter conectado com tudo e todos ao mesmo tempo. Optou por se conectar consigo. No primeiro momento, foi difícil romper com o vínculo viciante que o interconecta com suas telas de estimação. Mas estava decidido. Resolveu ser grato pelo “salvador da pátria”, “amigo aguerrido”, “meio de trabalho”, “curador de feridas e matador de saudade” do dia a dia e desligá-lo de si por algumas horas.

Optou por desintoxicar-se da adorável tela viciante. Sofreu uma espécie de abstinência no início, mas perseverante que era, se venceu. E ao se superar, finalmente, conseguiu descansar. Reparou nas folhagens. Preparou seus alimentos com calma. O tempo rendeu. Viveu os momentos presentes. Presente. Respirou em paz.  Enfim, libertou-se.

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Paula Farsoun

Com a palavra...

Paula é uma jovem friburguense, advogada, escritora e apaixonada desde sempre pela arte de escrever e o mundo dos livros. Ama família, flores e café e tem um olhar otimista voltado para o ser humano e suas relações, prerrogativas e experiências.

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