Zero

sábado, 06 de julho de 2019

Zero hora. Até o dia começa do zero. Começar do zero. Como começar do zero se trazemos com a gente uma série de histórias e situações? Dizem que até um bebê que acabou de nascer traz consigo as conversas da barriga, as energias da mãe e do ambiente. Mas é possível começar ou recomeçar do zero. Como qualquer dia começa também. Aliás, como eu gostaria de voltar a ter vinte e tantos anos, desde que na condição de retornar uma década com o que sei hoje. Seria bem mais fácil. Cometeria menos erros. Talvez, outros erros.

Começar do zero. No mundo da pós-verdade fantasiada de autoajuda já se fala que não se precisa esperar o ano virar para começar de novo. Pode ser em julho, em cada uma das quatro estações, qualquer mês, semana. Todo dia. Qualquer hora.

Começar do zero requer vontade. Expurgar das entranhas tudo o que tem que ser eliminado. Deixar tudo que lhe é estranho, até as convicções que não lhe vestem. Limpar o estômago, o coração e a mente para ter a alma mais leve. Sem a audácia de que seja leve como pluma, mas que seja leve como alma mesmo.

Chorar tudo o que tem para chorar. Deixar as lágrimas lavarem o rosto, lubrificar os olhos para enxergar melhor. A vida é feita de perdas, mas é válido decidir querer lidar de forma diferente para não perder mais do mesmo jeito.

Recuperar os sentidos para afinar os sentimentos. Mergulhar apenas na nostalgia que faz crescer. Caminhar ao encontro do que faz bem. Parar de repetir as mesmas cenas e convidar o ineditismo para entrar por aquela porta – a sua porta!

Recuse o quarto grande. Dispense a solidão, porque ainda que se suporte, pra que ficar sozinho? Quebrar as correntes, zerar o que tem que ser zerado, para aí sim, começar de novo. Esquecer o que não deu, sonhar com o que virá. Desapegar das paixões antigas ou dos romances que alimentou. Desnutridos não por falta de alimento, mas porque optaram por não querer ter força para caminhar no seu passo. Despeça-os dos seus sonhos, leituras e escritas. Não as leia mais. Supere-as. Mais do que elas, corte as amarras que as motivou.

Neste instante, prefira que o espelho não minta o seu reflexo. Se veja, com esse olhar de quem quer se ver sem adereços, para ajustar o que não está legal. Compor melhor o filme. Compor melhor a música que sai ainda que em forma de grito. E, implore a si mesmo para não ser indiferente. Você não pode, admita que não quer ser como os outros. Você consegue ser essa peça exclusiva.

Se o peito dói é preciso sanar essa dor. Esvaziar o coração para recomeçar de novo. Tente não temer. Tento não morrer, ainda que todos nós morramos um pouco mais a cada dia. Mas é como diz Clarice Lispector: “A vida serve é para se morrer dela”. O tempo está passando e a cada hora que passa, maior fica o ato e menor o destino.

As mesmas duas mãos de sempre, menos mãos para dar. Onde estão os seus amores? Cadê os seus vilões? Onde estão os seus heróis? E você? Quem é você?

Se o silêncio constrange e fala dessa inocência pecaminosa que intui você a escolher não ser feliz... Quebre o silêncio! Se quanto mais aprende e experimenta, mais perguntas ficam sem respostas, viaje mais, mesmo não tendo para onde ir. O mundo é grande para se conhecer, mas não se sinta pequeno para querer ser parte dele. Eu sei que viver podia ser mais simples, mas está aí: zero hora. O dia vai começar de novo.

TAGS:

Palavreando

Aos sábados, no Caderno Z, o jornalista Wanderson Nogueira explora a sua verve literária na coluna "Palavreando", onde fala de sentimentos e analisa o espírito e o comportamento humano.

A Direção do Jornal A Voz da Serra não é solidária, não se responsabiliza e nem endossa os conceitos e opiniões emitidas por seus colunistas em seções ou artigos assinados.