Por isso, viva!

sábado, 27 de abril de 2019

A vida só faz sentido quando a vivemos. Teorizar o que é viver não é nada. É preciso viver, sem necessariamente viver na prática aquilo que se teoriza. Por isso, viva!

“Por isso, viva!” Sei que parece afirmação de livro de autoajuda ou mantra ministrado por coaching. Coachings estão na moda. A psicanálise nunca saiu. Pena que os bons busquem o divã para curar o que os maus fazem. Vi isso em algum twitter de alguém que não lembro o nome. A verdade é que os maus não estão nem aí. Dormem com a consciência tranquila porque não admitem que consciência exista, que dirá pesar. Convivamos com essa realidade que não é novidade do tempo dos bytes, mas que está aí desde que o mundo é mundo.

Desde sempre convivemos com o fim, com recomeços, com a morte. É quando ela nos visita de perto que pensamos. É quando a morte chega no vizinho de forma abrupta que percebemos que o clichê só é clichê, porque é verdade nua e crua: a vida é um sopro. Não somos nada. Não levamos nada. A vida é frágil. Passageira que acaba numa curva, se encerra por uma mísera partícula que só se enxerga no microscópio. O tempo por si só já é limitador. Mas para além do finito tempo, há os imprevistos que são tão certos quanto a incerteza de que haverá outra vez ou amanhã. É preciso admitir a fugacidade do até breve. Quantos até breves são adeuses…

“É preciso saber viver”. Nem sei se é como diz a música. É preciso viver, sem saber mesmo. Ainda que a experiência alheia ajude, só se sabe por si mesmo, só se sabe vivendo. Viver com tudo o que temos, com sentido ao que se é, ao que se faz, com a preocupação das vidas que se afeta para multiplicar afeto e estender história.

Imagine que a vida na linha do tempo é um varal. Para uns mais curto, para outros mais extenso, porém para todos incerto de onde acaba. Nesse varal penduramos de tudo. E o varal pesa se a arrogância não seca. Cria barriga que dá no chão e se enterra. Lágrimas felizes repousam em partes do seu tear, outras tristes moram no mísero espaço entre um fio e outro. Colocamos pregador em alguns rostos e em outros deixamos solto para que o vento leve – ou não. Nem sempre escolhemos bem. Escolher é de uma coragem que merece até varais e mais varais para se cruzar com o nosso varal. Um varal sustenta o outro e é essa sustentação que não deixa a nossa história ruir em qualquer tempestade. Não saber onde o varal acaba deveria nos dar o dom de simplificar, a humildade, a temperança e certo orgulho em querer finalizar bem, deixar esse tal varal num prumo que não derreta com vãs fatalidades. Não, Deus não é um meritocrata. Se não sabemos o final, que cada instante seja finalizado com carinho.

Mas nos esquecemos do quanto somos frágeis, do quanto é cruel o tempo, do quanto é voraz a menor das partículas que nos adoece ou da curva que nos finda em si mesma. Aí, a morte visita o vizinho, se achega bem perto da gente, nos leva alguém querido repentinamente e percebemos que é preciso viver. Repensamos aquilo que é tão claro desde que chegamos: a vida é uma só, num tempo só, num espaço só. A vida se esvai e vida não vai ficar gritando da janela para que você viva! Mas a vida pode ficar lá vendo o mundo viver ou sobreviver sem que você a pegue pelo braço e viva!

Não sou escritor de autoajuda. Aliás, nem me considero escritor. Mas escute: tenha a sua fé, mas aja. Tenha a sua teoria, mas se jogue. Tenha a sua filosofia, mas teste. Tenha seus medos, mas faça deles seus parceiros. Tenha sua arrogância, mas trate de esquecê-las na gaveta. Viva, porque nem a sua fé, teoria, filosofia, medo ou arrogância poderão te dizer até quando você a terá.

 

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Wanderson Nogueira

Wanderson Nogueira

Observatório

Jornalista, cronista, comentarista esportivo, já foi vereador e agora é deputado. Ufa! Com um currículo louvável, o vascaíno Wanderson Nogueira atua com garra no time de A VOZ DA SERRA em Observatório, sua coluna diária.

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