Confissões de um quase jornalista

sábado, 06 de abril de 2019

Sou de uma geração em que o jornalismo era a segunda carreira mais concorrida entre os vestibulandos, só perdia para medicina. Sou da mesma geração que viu o Judiciário decidir que não era preciso diploma universitário ou direito adquirido para exercer a profissão. Sou da geração que sente na pele qualquer um se gabar de ser jornalista só porque escreve qualquer besteira em redes sociais. Mesma geração que assiste atônita à fábrica de fake news que destrói histórias, vidas e até países. O boato ganha novas e as mais perversas formas.

Sou jornalista. Desses que amam o que fazem. Seja na fala que o vento leva, mesma fala que as ondas flutuam para chegar a alguém. Seja nas letras que junto e formam frases que marcam ou nas mesmas palavras que unidas podem não fazer sentido algum. Seja na imagem que muitas vezes fala por si só ou na tal imagem que pede para não dizer nada. Sou jornalista, porque o que escrevi ontem me lembra quem sou hoje, sem me esquecer de onde vim e para onde planejei voar. Sou jornalista para acumular o melhor tipo de riqueza que se pode ter: pessoas e afetos.

Sou de uma geração fascinada pelos chamados jornalistas vira-latas. E não confundam: não há nada de pejorativo nisso, pelo contrário. Vira-lata pelo faro, pela perspicácia, pelo encanto de observar o cotidiano e transformá-lo em notícia. Vira-lata no sentido de saber se misturar, de se virar tendo muito pouco ou quase nada. Jornalistas vira-latas - poetas objetivos que tiravam na mesa de bar o drama da comédia e a comédia do drama. Malandros trabalhadores que tinham ginga para dar o furo e proteger a fonte. O jornalismo na sua pureza, desinteressado na fama, mas vaidoso em ser o biógrafo da história. Sou da geração inspirada por esses jornalistas, e, por eles decidi ser jornalista.

Sou jornalista para sair do casuísmo e evitar que minhas linhas sejam apenas lixo eletrônico poucas horas depois. Sou jornalista para que meus textos possam ter destino melhor do que virar embrulho de peixe. Sou jornalista porque luto para que eu não morra indiferente a tudo. Sou jornalista, porque quero compartilhar minhas vivências e fazer das minhas observações um ponto de vista a ser considerado. Sou jornalista para pertencer e fazer o fato pertencer à história. Sou jornalista para me pertencer a um tempo e minha época me pertencer.

O jornalismo é mais que um ofício. Se engana quem acredita que a frieza seja requisito para a profissão. O jornalismo exige, acima de tudo, sensibilidade. O jornalista não é e não pode ser um mero relator de acontecimentos. Deve ver poesia, sem se tornar poeta. Deve fazer artes, sem ser artista. Deve ensinar, sem ser professor. Deve se abster, sem ser omisso.

Assim, ser jornalista não é um fim ou algo que acaba em si mesmo ou por si só. Ser jornalista é estar sendo o tempo todo, sem jamais conseguir alcançar o status. De tal forma, não sou jornalista, mas um quase jornalista. Caminhar é melhor do que cruzar a linha de chegada. Minha matéria tal qual história não está fechada. Editor dos editores, a matéria de mim mesmo, seguirá então inacabada.

 

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Wanderson Nogueira

Wanderson Nogueira

Observatório

Jornalista, cronista, comentarista esportivo, já foi vereador e agora é deputado. Ufa! Com um currículo louvável, o vascaíno Wanderson Nogueira atua com garra no time de A VOZ DA SERRA em Observatório, sua coluna diária.

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