O nosso Hart – nosso amigo, nosso irmão

quinta-feira, 06 de abril de 2017

Vou dedicar esta coluna ao nosso Hart, que partiu iluminado para o universo. Ele se preocupou em se despedir dos seus amigos de leitura e escrita, dando seus livros. Estávamos no Clube de Leitura quando ele chegou com muitos livros, o que nos deixou espantados pelo peso que carregava. Mas o Hart pareceu não se importar com este fato banal. Estava preocupado em dá-los a quem ainda não os tinha presenteado. E, ainda, fez questão de, cuidadosamente, escrever um autógrafo em cada um. Disse, entre risos, que não queria guardá-los. Ali, ele se despediu de nós. Deu o que lhe era de mais essencial; suas histórias e poesias. A mim, foi apenas um sorriso, pois já os havia dado em outras ocasiões.

A literatura me permitiu conhecer o Hartmut Ernst Riedmaier através das suas histórias, poesias e raps. Foi no projeto Esta História Também é Sua que realizamos no Sesc, em maio e junho de 2015. Antes desse projeto, que nós, os acadêmicos, fizemos com amor e motivação, o Hartmut, para mim, era um escritor gentil, educado e que tinha um nome difícil. Talvez, por isso, eu o tenha chamado de Hart. Achei-o interessante e diferente dos demais porque assim que entrei para a Academia ele fez questão de me dar todos seus livros que continham dedicatória afetiva. Seus romances eram quase todos de crimes, o que me fez relembrar os livros policiais que lia quando adolescente.

Quando elaboramos o projeto, ele se mostrou uma pessoa disponível e se fez presente em todos os momentos, com delicadeza e paciência. Ás vezes, eu conversava detalhes da apresentação com alguém por um longo tempo e ele ficava ali, ao meu lado, quieto, meigo e sorridente. Volta e meia, fazia uma observação, sempre inteligente. A palavra do Hart tinha um toque especial.

Durante a fase de planejamento, aconteceu algo engraçado. Inesquecível. Quando havia necessidade de ilustrar ou quebrar a seriedade da fala, eu exclamava: Hart, preciso de uma poesia! E, ele, com seu jeito único, humilde e delicado, me trazia no dia seguinte. Sempre no dia seguinte. Uma poesia pronta.

Hart era um tímido e criativo cavalheiro que participou de todas as apresentações do seminário com suas poesias e raps, recitadas pelos rappers Fábio e Sérgio. O inevitável aconteceu. Como o projeto foi apresentado para jovens de uma escola pública, ele, com os seus raps, se tornou a estrela do projeto. Roubou a cena!

Hartmut Ernst Riedmaier era um amigo silencioso, acima de tudo. Os meninos captaram a belíssima pessoa que habitava aquele grande corpo alemão. Cheio de palavras gentis, gestos doces e sorrisos.

E, agora, ao partir, deixou um vazio imenso. Ah, Hart, vamos sentir sua falta. Principalmente porque, além de tudo, era um tesoureiro cuidadoso e exigente. Depois que assumi a presidência estava quase todos os dias com ele, tratando de tudo. Contas, projetos, fechadura da porta.

Sua presença me trazia paz e alegria, principalmente quando escutava seus passos, subindo as escadas da Academia. Eram mansos e lentos. Firmes

Sei que volta e meia ele irá nos visitar. Lá, chegará como uma borboleta e pousará na janela para nos deixar um autógrafo. Vamos saber! 

Enfim, reconheço que só tenho uma forma de acenar adeus ao meu amigo Hart. É deixar aqui algo especialmente dele; o rap que fez para o projeto.

 

NOVA FRIBURGO (EM RAP)

Hartmut Ernst Riedmaier

 

Escuta amigo, escuta irmão

Esse é o RAP da nossa criação.

 

Nova Friburgo

É Real,

Pedra preciosa

Sem igual.

 

Sua história começou

Com a invasão de Portugal

Pelo inimigo mortal

Que o destino enviou.

 

D. João,

Infante português,

Fugiu às pressas

Do francês.

 

Singrou o mar tão

Majestoso, altaneiro

E atracou no Rio

de Janeiro.

 

E o responsável

Por essa confusão

Foi o desafeto

Napoleão.

E assim Gachet,

Com o rei confabulou

Que por carta

A resposta lhe enviou.

 

Que cem famílias venham

Para Morro Queimado

Formem uma colônia

Onde lhes foi destinado.

 

Como fogo indomável

Açoitado pelo vento

A notícia se espalhou

Todo Cantão ela ganhou.

                                                 

Um grupo se formou,

Valente, corajoso,

Desejoso de zarpar

E a nova terra abraçar.

 

Assim,

O embrião acontecia

De amor e de esperança

Por um povo ordeiro, destemido.

 

Adeus amigo, adeus irmão,

Adeus pátria querida,

Sofre meu coração

Pelo adeus dessa partida.

E partir,

Foi triste, doloroso.

Lágrimas rolaram

Como um rio caudaloso.

 

E no adeus da partida

Uma página era escrita

Na odisseia da conquista.

 

O povo alegre

Pelo Reno parte,

Em busca de melhor sorte

Desce até o mar do Norte.

 

Na Holanda ancoradas

Sete naus preparadas

Pronta para zarpar

 

Mas por um tempo

Ficam retidos

Pela orgia abraçados.

 

Na saúde abalados

E doenças contraídas,

Na miséria

Encontram seu calvário.

 

E o que era poesia,

Adornada de belezas.

Se transforma em pesadelo

Por tristezas embalado.

 

A viagem era lenta,

Castigadas pelos ventos,

Açoitada por doenças,

Embalada por tormentos.

 

Mas por vezes, a vida sorria

Agraciando as embarcações

Com beleza e alegria,

Felicidades e emoções.

 

Na passagem do Equador

A certeza do amanhã venturoso

Construído com amor,

Com braço forte, vigoroso

 

E, como sinal do Cristo, Jesus,

Surge uma bênção em forma de cruz

Nas alturas, no infinito azul,

No esplendor do Cruzeiro do Sul.

 

Amanhece um novo dia

“Terra à vista”, ecoa pelo ar

O coração explode de alegria

Querendo o peito rebentar

 

Lágrimas se confundem

Entre abraços apertados,

Entre corpos que se unem

Pela euforia dominados

 

Ri o grupo, chora e dança

Na grandeza da emoção,

Recrudesce a esperança,

Agradece em oração.

 

Com a bênção do Senhor

A viagem chega ao fim.

Com lágrimas de alegria,

De tristeza e de dor.

 

De Itambí a Friburgo

Muitos mortos são chorados,

Contaminados na viagem

Pelas doenças dizimados. 

 

Mas passo a passo

A coluna seguia

Cansada, fraca, sofrida

Mais um desafio vencia,

 

Pois entre montanhas cravada,

Das pedras a mais preciosa,

Por mãos divinas moldada

Surge a cidade sonhada.

 

Nova Friburgo teve seu nome

A três do um decretado,

De mil oitocentos e vinte,

Por D. João VI assinado.

 

E a dezessete de abril

Foi inaugurada

Esta Vila Do Brasil

Com festa inusitada.

 

Pelourinho foi a praça

Onde houve a festança,

Enfeitada, cheia de graça,

Teve festa, teve dança.

 

Iluminação em todas as casas

Fogos de artifício, cavalhada.

Na fogueira ardiam as brasas,

Nos corações a vila amada.

 

E neste dia festeiro

Se despediu Morro Queimado,

Vila de Nova Friburgo

Passou a ser chamado,

 

Nova Friburgo 10 de janeiro de 2015

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Tereza Malcher

Tereza Cristina Malcher Campitelli

Momentos Literários

Tereza Malcher é mestre em educação pela PUC-Rio, escritora de livros infantojuvenis, presidente da Academia Friburguense de Letras e ganhadora, em 2014, do Prêmio OFF Flip de Literatura.

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