O livro pertence a todos, até no Himalaia

terça-feira, 22 de outubro de 2019

 

Onde vou guardar os livros?
Às vezes, a literatura fica cercada de perguntas, e esta, tão banal, é uma das que cutucam o leitor, o escritor, editores e livreiros. Talvez porque os livros sejam como baús que guardam ideias que podem ser usadas a qualquer momento, possibilitando tomadas de decisões, entendimentos e lazer. Por buscá-los de acordo com a nossa vontade, o livro é a expressão máxima do livre-arbítrio.
Tinha um amigo que não conseguia ficar sem um livro nas mãos. Ele era inteligente, conversador e sedutor, daqueles que têm sempre pessoas em torno, escutando seus casos, comentários filosóficos, políticos e artísticos. Pouco antes de partir para o universo, adentrou minha casa, jogou um livro de quase quinhentas páginas nos meus braços e balbuciou no pé do ouvido, livro não se guarda.
A partir de então, a ideia de guardar e não guardar livros ficou me rondando, até porque tenho alguns que fazem parte da minha história; é sofrido passá-los adiante. Foi o que aconteceu com os contos clássicos infantis, uma coleção de mais de 30 volumes, que minha irmã e eu ganhamos da vovó. Minha irmã não ficou. Eu, além de ficar com eles, ainda recebi a estante de madeira maciça que os acolhia. Entretanto, como a ortografia usada ainda empregava o ph, a ideia de doá-los começou a ganhar força nos meus pensamentos. Confesso, foi um parto doloroso me desfazer. Sempre que pensava em fazê-lo, a imagem da vovó me vinha, e eu ficava olhando em torno, sem encontrar espaços disponíveis para os novos. Foram anos com este conflito que me dava comichão no pensamento. Até que numa decisão gloriosa doei-os a um orfanato, que, para minha alegria, foram recebidos com agradecimento. 
Hoje, eu me deparo com a questão ao comprá-los, ganhá-los e produzi-los. Para cada livro que guardo, tenho uma história a contar; ah, tantas lembranças afetivas habitam suas páginas.  
Acredito que esta seja uma questão que ronda pessoas de todos os gêneros, idades e nacionalidades. Os livros têm tamanha vida que são capazes de movimentar e enriquecer o quotidiano de qualquer um. Alguns exemplares podemos passar adiante, mas outros não. Os que ficam são mais numerosos. Tenho me forçado a me adaptar aos virtuais por serem excessivamente práticos, até pelo peso em segurá-los durante a leitura. Pensando bem, na medida em que os anos vão chegando, canso os braços com mais facilidade.    
Bem, esta é uma questão interminável, até no Himalaia.  

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Tereza Malcher

Tereza Cristina Malcher Campitelli

Momentos Literários

Tereza Malcher é mestre em educação pela PUC-Rio, escritora de livros infantojuvenis, presidente da Academia Friburguense de Letras e ganhadora, em 2014, do Prêmio OFF Flip de Literatura.

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