O entrelaçamento do Rock in Rio e da literatura

terça-feira, 01 de outubro de 2019

A literatura tem uma modernidade exuberante porque é a vida contada, recriada e comentada. Rapidamente, consegue nos colocar contra a parede e lançar por terra alguns conceitos que conservamos como verdadeiros.

No Rock in Rio de 2019, como em todos os outros, milhares de pessoas de culturas diversas, idades múltiplas e gostos diferenciados se põem de pé diante de um palco para curtir a música produzida por teclados, guitarras, baterias e ouros instrumentos. Neste sábado de setembro, debaixo de chuva e sob o som intenso, todos assistem ao espetáculo cantando, dançando e batendo palmas. Com animação, recitam, através das melodias, as poesias contidas nas letras das músicas. 

No palco, tudo se mistura: cores, música, fumaça, cantores e letras. Em cada apresentação, a música retrata uma realidade, através de críticas aos modos de viver, da expressão de afetos, de exaltações contra as relações sociais, dos cuidados com a natureza do planeta. Todas as letras, cada uma de maneira peculiar, constroem possibilidades e indicam alternativas.  

O rock é um estilo musical que surgiu no início da década de 50 nos Estados Unidos, que misturou estilos musicais, como o country, gospel, rhythm and blues (r&b). O Rock in Rio é um festival de música, criado por Roberto Medina, em 1985, um dos maiores eventos musicais do mundo. Apesar do ritmo esfuziante, suas letras transmitem mensagens significativas, muitas vezes despercebidas e abafadas. 

Na minha sala, sem o desconforto da chuva, fui assistindo as apresentações, até que os Titãs se apresentaram, e Sérgio Britto cantou a música Epitácio, que mais uma vez me encantou e tocou minha alma. No meu entender, sua letra é uma ode ao viver; é tocante e inesquecível. Seus versos, apesar de serem lamentos, são alertas aos que não conseguem encontrar plenitude na vida. É uma poesia humanizadora. 

O poema Instantes, atribuído ao escritor, ensaísta e poeta argentino Jorge Luis Borges, muito embora a autoria do poema tem sido questionada. Esta poesia contém uma mensagem semelhante a Epitáfio, e pode ter sido fonte de inspiração da música cantada por Sérgio Britto. Enfim, a mensagem é contundente, cutuca-nos dos pés à cabeça.

Depois de escutar Epitáfio, a apresentação do Rock in Rio passou a segundo plano, e pensei se minha vida faz jus à recitação de Epitáfio e de Instantes. 

Que sessão de terapia! 

 

Epitáfio

 

Devia ter amado mais

Ter chorado mais

Ter visto o sol nascer

Devia ter arriscado mais

E até errado mais

Ter feito o que eu queria fazer

 

Queria ter aceitado

As pessoas como elas são

Cada um sabe a alegria

E a dor que traz no coração

 

O acaso vai me proteger

Enquanto eu andar distraído

O acaso vai me proteger

Enquanto eu andar

 

Devia ter complicado menos

Trabalhado menos

Ter visto o sol se por

Devia ter me importado menos

Com problemas pequenos

Ter morrido de amor

 

Queria ter aceitado

A vida como ela é

A cada um cabe alegrias

E a tristeza que vier

 

O acaso vai me proteger

Enquanto eu andar distraído

O acaso vai me proteger

Enquanto eu andar

 

Devia ter complicado menos

Trabalhado menos

Ter visto o sol se pôr

 

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Tereza Malcher

Tereza Cristina Malcher Campitelli

Momentos Literários

Tereza Malcher é mestre em educação pela PUC-Rio, escritora de livros infantojuvenis, presidente da Academia Friburguense de Letras e ganhadora, em 2014, do Prêmio OFF Flip de Literatura.

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