O adolescente é "cronicante" e tem chulé

sexta-feira, 29 de setembro de 2017

Quando fui convidada a dar esta palestra em que vou falar sobre a
crônica para adolescentes, comecei a refletir a respeito desse período tão
instigante, e constatei que cada momento do adolescente é uma crônica. Não
que os outros tempos da vida não sejam tão divinos. Mas a adolescência é a
época das descobertas e mudanças.

Depois de um longo bocejo e calçar o tênis, a criança entra na
adolescência, nova etapa de sua vida que acontece no mesmo lugar onde já
está acostumada a viver. Entretanto, tudo e todos precisam ser novamente
codificados porque o adolescente, por inteiro, ganha outras configurações. Faz-
se de espantos. Talvez por isso seja um cronista, mesmo sem escrever. Seu
pensamento tece o que seus sentidos percebem.


O adolescente habita no olho do furacão. Se ao mesmo tempo acha que
sabe de tudo, sente que não conhece nada. Então, pensa; analisa com
argumentos. “Cronica”. Mesmo andando pelas alamedas da vida com o
universo virtual nas mãos, não tem o domínio das coisas. O adolescente é um
maratonista pensante; têm chulé.

Caminhando, faz suas crônicas para encontrar as próprias conclusões.
Não as quer de outros. Quer construir as próprias para poder fazer autênticos
registros nas estradas, esquinas e escadas pelas quais passa. Que ser um. Ele
mesmo. Precisa ver e entender os próprios passos.

É um tempo conturbado quando percebe, sente e pensa a respeito de
várias e sérias questões ao mesmo tempo. Seus sentidos, ligados na tomada,
estão energizados e fazem sinapses intensas. É um ir e vir de estímulos e
reflexões; suas periferias e centros nervosos são estações superlotadas de
chegadas e partidas. Talvez por isso seja o maior mutante do planeta; a cada
passo, faz uma crônica e, assim, vai se modificando.

Possa ser que a “adultez” seja o ponto final. Ele quer chegar lá com
rapidez. Perder tempo, nem pensar. A cada tropeço, a cada sol da manhã e voos de asa delta, vai amadurecendo, encontrando caminhos nem tanto
acidentados, nem sem paisagens.

A vida tem seus segredos. A melhor maneira de guardarmos as fadas e
bruxos em nossas células, é não deixarmos adormecer em sonhos letárgicos
este adolescente que existe em nós. E “cronicar” é um excelente remédio para
quem não gosta de chulé e passa talco nos pés!

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Tereza Malcher

Tereza Cristina Malcher Campitelli

Momentos Literários

Tereza Malcher é mestre em educação pela PUC-Rio, escritora de livros infantojuvenis, presidente da Academia Friburguense de Letras e ganhadora, em 2014, do Prêmio OFF Flip de Literatura.

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