Do domador ao carpinteiro

segunda-feira, 19 de março de 2018

Construir um texto não é magia; é trabalho bordado. Leva-se tempo; dias,
meses ou anos. Retirar as ideias formuladas no pensamento, articulá-las com
tantas mais guardadas em nós, nos livros e nos quatro cantos do mundo é, por
certo, uma tarefa que exige coragem. Os escritores não são medrosos;
escrevem para extravasar suas dores existenciais. Estão acostumados ao
desafio de retirar do pensamento suas essências e formatá-las num texto, na
tentativa de se comunicarem com as pessoas que habitam lugares e tempos
diferentes. O texto é um viajante que permanece vivo futuro. O escritor é
efêmero, porém sua obra permanece ativa, tocando quem os lê.
Até parece que estou escrevendo ficção científica. Quem me dera
adentrar no mundo imaginário e contar histórias verossímeis. Sou criativa, mas
nem tanto. Gosto de planar sobre realidades e de falar da aventura do
escrever, o que me proporciona prazer.
Clarice Linspector se refere ao pensamento como uma instância dentro
de nós sem vida, que apenas a ganha quando articulado através da
comunicação expressa. Eu, particularmente, vou me referir à expressão escrita.
O escritor é um domador das próprias ideias, que precisam estar
organizadas para ganharem sentido quando expostas. Não é fácil domá-las;
porém não é preciso recorrer à chicotes ou correntes; temos que aprender a
conversar com elas para compreendê-las.
Aí, vem o desafio: colocá-las no papel. Às vezes, estão tão desarrumadas
que precisamos de um tempo a perder de vista para configurá-las. Isso.
Configurar. Uma palavra tão moderna, que expressa tantos sentidos. E, assim,
a gente vai, com o dicionário debaixo dos olhos, pesquisando aqui e ali, para
torná-las inteligíveis ao outro. Ou melhor, a nós mesmos. Porque sem entendê-
las, não vamos mostra-las a ninguém.
Depois desse tempo longo, quase sem fim, chega a hora de garimpar o
texto. Ah, um texto é um garimpo de pedras preciosas, que precisam ser
encontradas e delapidadas para que todos possam perceber a lucidez de suas

ideias e admirar sua beleza das suas palavras. Como Fernando Pessoa sabia
disso! E, eu, como eu pouco sei; sou aprendiz.
Escrever é uma aventura dos viventes. Não dos deuses. Eles, de alguma
forma, já conseguiram deixar suas marcas no mundo. Mas nós, meros mortais,
ainda cultivamos sementes, domando a expressão das nossas ideias e
capinando nossas palavras.

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Tereza Malcher

Tereza Cristina Malcher Campitelli

Momentos Literários

Tereza Malcher é mestre em educação pela PUC-Rio, escritora de livros infantojuvenis, presidente da Academia Friburguense de Letras e ganhadora, em 2014, do Prêmio OFF Flip de Literatura.

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