Abraços atados e momentos desafinados

segunda-feira, 27 de maio de 2019

Estou escrevendo a crônica da semana no dia do abraço! Não é de propósito que
o faço exatamente neste dia, 22 de maio, cinco dias antes de ser publicada. É que vou
viajar amanhã e só retorna em meados da semana que vem. Confesso que eu queria
falar de outro assunto literário, mas, ao me sentar na frente do computador e abrir as
mensagens, eu me deparei com muitos abraços. Eu ia falar sobre o livro de contos que
estamos lendo no Clube de Leitura, Desatados, de Fabiana Corrêa, que está fazendo
um grande reboliço em nós. A boa literatura faz isso: abraça e revira tudo. Ela escreve
como quem não quer nada, seus pequenos contos se enroscam em nós de modo sutil
e, então, de repente, todas nós, as participantes do grupo, nos sentimos tocadas com
as histórias. Para começar, a autora tem um olhar feminino sobre a vida; conhece o
nosso universo sensível e a nossa natureza resistente. Ah, como ela sabe nos abraçar
com palavras simples.


Atada com o livro e com o carinho de pessoas, eu não poderia deixar de abraçar
este jornal amigo e seus leitores. Hoje é um dia especial porque estamos refletindo
sobre os abraços que recebemos e damos nas pessoas, na natureza, nos livros e nos
objetos que nos são importantes. Aliás, o que não se abraça nesta vida? Tudo o que
concorre para que sejamos pessoas melhores e mais felizes merece o nosso
envolvimento sincero. Abraçar é mais do que circundar com os braços; é um gesto
essencialmente afetivo de cercar o outro, um objeto. O olhar e o sorriso também são
modos de abraçar.

Certa vez, eu li uma crônica de Marta Medeiros que o melhor lugar do mundo
para se habitar é num abraço. De certo, o ato de acolher tem uma energia forte, é
saudável e prazeroso. É uma das formas pelas quais a alma se nutre. Será o abraço
feminino igual ao masculino? Ao de um avô? Ao de um amigo? A única certeza que
tenho é de que não devemos deixar de abraçar porque a vida é rápida demais, e os
momentos passam num piscar de olhos. Estou agora olhando uma foto antiga de
família pendurada na parede; a maioria das pessoas não estão mais aqui, inclusive meu
filho. Do outro lado do computador está o livro Desatados, que tem uma caneta presa

em sua capa para que eu possa fazer anotações. A autora, num conto, fala das
lembranças que restam, decorrentes da passagem do tempo, o que me faz ter a
convicção de que quanto mais nossos braços estiverem abertos, melhor poderemos
sentir a plenitude dos momentos e guardá-los com nitidez. Talvez se a vida não fosse
efêmera, o abraço não tivesse tanto valor. Certa vez, assistindo a uma palestra da
escritora teresopolitana Flávia Savary, dela escutei que a morte dá sentido à vida. Ou
seja, a riqueza do abraço existe porque ele é eterno enquanto dura. Ah, o apaixonado
Vinícius de Moraes.

É muito ruim deixar de abraçar, mesmo em circunstâncias desacertadas, uma vez
que a negação de um abraço pode deixar uma marca triste. O abraço tem a magia de
fazer superar embaraços mesmo sendo resultado de uma decisão delicada.
Certamente, há de deixar uma marca feliz.


Hoje, a literatura me abraçou. E eu abracei o mundo.

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Tereza Malcher

Tereza Cristina Malcher Campitelli

Momentos Literários

Tereza Malcher é mestre em educação pela PUC-Rio, escritora de livros infantojuvenis, presidente da Academia Friburguense de Letras e ganhadora, em 2014, do Prêmio OFF Flip de Literatura.

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