Uma janela arqueológica na Catedral de São João Batista

quarta-feira, 10 de dezembro de 2014

 A vila de Nova Friburgo foi fundada em 3 de janeiro de 1820. Desmembrada de Cantagalo para abrigar uma colônia de suíços, como toda vila, passa a ter as suas próprias instituições. A primeira delas foi o estabelecimento da Câmara Municipal, que reunia as funções executiva, legislativa e judiciária. No entanto, a promessa do rei D. João VI de um templo católico, na sua fundação, iria ter que esperar algumas décadas antes que se realizasse. D. João VI deu o nome de seu santo protetor à sede da vila de Nova Friburgo: Freguesia de São João Batista. O nome do orago iria igualmente ser o da catedral assim que fosse erguida. Inicialmente, os cultos religiosos católicos eram realizados no mesmo prédio da Câmara Municipal. Funcionava no casarão tosco, sede da fazenda do Morro Queimado, o qual os suíços denominaram de chateau, exatamente onde está hoje o Colégio Anchieta. Desde o período colonial até o fim da monarquia, o Brasil vivia sob o regime de padroado, compromisso entre a Igreja Católica e o governo de Portugal. O direito do padroado foi cedido pelo papa ao rei, que deveria promover a organização da Igreja nas terras colonizadas. Ao rei de Portugal cabia arrecadar os dízimos, controlar a vinda de religiosos para a América Portuguesa, escolher os bispos, criar paróquias, entre outras funções. No entanto, o governo geral não cuidou em erigir uma igreja na vila de Nova Friburgo. Foi graças ao auxílio do primeiro barão de Nova Friburgo que a catedral começou a ser construída. O barão era um dos maiores produtores de café de Cantagalo, próspero traficante de escravos e uma das maiores fortunas do país em meados do século 19. A construção da catedral se inicia em 1851, exatamente no momento em que Cantagalo despontava como um dos maiores produtores de café do país. Logo, o barão de Nova Friburgo poderia contribuir na sua construção com significativo aporte de capital. Era natural que tomasse tal iniciativa. Praticamente todas as igrejas na vizinha Vila de Antônio de Sá foram erguidas com subscrições de proprietários de engenhos de açúcar do Vale do Macacu. A obra da catedral foi finalizada em 1869, exatamente 18 anos depois do início de sua construção. No seu entorno, presenciou o crescimento urbano da vila, a deliciosa passagem do trem à sua frente e igualmente a retirada de seus trilhos, em meados de 1964, para grande tristeza da população. Era em frente à catedral, na praça, que ocorria o footing, no qual rapazes e moças desfilavam de um lado a outro para um namorico ou paquera até que passasse o último trem, o vassourinha, varrendo as moças da rua. Hora de moça decente e de família ir para casa. 

Nesse ano, vem sendo realizada a restauração da catedral. Trata-se de um patrimônio tombado pelo Inepac, órgão estadual de proteção do patrimônio histórico. É a primeira restauração do gênero. O projeto é da empresa Atelier de Arte e Restauração N. S. da Penha, sob a coordenação do restaurador Robertson Weissmar. A Mitra e o Centro de Documentação de Nova Friburgo não possuem a planta original da catedral, mas não é difícil perceber que sofreu diversas intervenções. Segundo Weissmar, a catedral apresenta muito pouco do seu aspecto original de meados do século XIX. O prédio sofreu diversas alterações ao longo dos anos a exemplo do presbitério. O material construtivo do corpo da igreja e do corpo do presbitério são muito distintos. O primeiro, o corpo da igreja, foi feito com pedra e cal. Partindo do arco cruzeiro até presbitério é feito de tijolo de barro. Várias intervenções foram realizadas pois a catedral apresenta em sua estrutura estilos arquitetônicos de diferentes épocas. Em termos de arte sacra, somente duas imagens apresentam valor artístico e histórico: a de N. S. da Conceição e de São João Batista, de madeira, do século XIX. As demais imagens são de gesso sem valor artístico ou histórico. Na restauração, a grande novidade! Weissmar abrindo uma "janela arqueológica”, ao retirar com bisturi diversas camadas de pinturas sobrepostas, descobriu no presbitério uma pintura do artista plástico Martignoni. Imigrante italiano do final do século XIX, Martignoni tem igualmente trabalhos no chalé dos Clemente Pinto (Barão de Nova Friburgo), hoje pertencente ao Country Club, e possivelmente no palacete do Barão de Duas Barras, atual Faculdade de Odontologia da UFF. A descoberta da pintura de Martignoni, entre o neoclássico e o eclético, tornou-se a grande novidade nesse restauro e ganha destaque na igreja. O município ganhou ao mesmo tempo uma catedral restaurada e abriu uma deliciosa janela de seu passado. 


Janaína Botelho é professora de História do Direito na Universidade Candido Mendes e autora de diversos livros sobre a história de Nova Friburgo. Curta no Facebook a página "História de Nova Friburgo”


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História e Memória

A professora e autora Janaína Botelho assina História e Memória de Nova Friburgo, todas as quintas, onde divide com os leitores de AVS os resultados de sua intensa pesquisa sobre os costumes e comportamentos da cidade e região desde o século XVIII.

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