A triste notícia no ano que passou

sexta-feira, 03 de janeiro de 2020

Fim de ano e logo vem à mente uma retrospectiva sobre os acontecimentos do ano que termina. Em Nova Friburgo, no campo da história, as famílias descendentes de imigrantes suíços celebraram o bicentenário da chegada dos primeiros navios ao Brasil. Do porto do Rio de Janeiro, impedidos desembarcar, seguiram em barcos até Itambi. Os suíços fizeram um longo trajeto por terra, que incluía a subida da Serra da Boa Vista, até finalmente alcançarem Cantagalo, cujo desmembramento de suas terras deu origem à Vila de Nova Friburgo. Para celebrar essa epopeia partiram de Nova Friburgo para a Suíça muitas famílias descendentes desses imigrantes objetivando manter viva a memória da imigração de seus ancestrais. Mas nem tudo foi celebração e o ano de 2019, ficará marcado pelo fechamento do histórico Colégio Modelo.

Fundado em 19 de março de 1919, na cidade de Cordeiro, pelos professores Carlos Domingues Côrtes e Zélia dos Santos Côrtes, o casal transfere o colégio para Nova Friburgo alugando o antigo Hotel Leuenroth, no centro da cidade, uma área de mais de 10 mil metros quadrados. Esse município era reconhecido por abrigar os melhores estabelecimentos de ensino, quiçá do Brasil. Quando transferiram o colégio, os filhos dos fazendeiros de vários municípios fluminenses estudavam nesse estabelecimento de ensino, em regime de internato, nas instalações do Hotel Leuenroth. Após um misterioso incêndio desse hotel ocorrido em janeiro de 1934, o colégio se transfere para o Hotel Rio Branco, antigo Hotel Internacional, na Praça do Suspiro.

O Colégio Modelo oferecia além de capacitação da mão de obra operária para as indústrias têxteis, a exemplo do curso técnico de contabilidade, a formação de professores. Normalmente profissionais liberais como o executivo da Rendas Arp Richard Ihs e o médico Salim Lopes eram cooptados como professores. Em meados de 1968, o professor Carlos Côrtes adquire o prédio do Pronto-Socorro, uma bela residência construída no ano de 1867, onde se estabeleceu defitinivamente.

Côrtes não era apenas um educador, mas um homem com uma participação efetiva na vida política. Ele teria trazido o Tiro de Guerra para Nova Friburgo imaginando a sua utilidade em caso de uma comoção social, que acabou ocorrendo, a Revolução de 30. O Tiro de Guerra 24 foi inaugurado em 13 de dezembro de 1927, utilizando inicialmente as instalações do Colégio Modelo. Curiosamente, o uniforme dos alunos desse colégio se assemelhava ao da instituição militar do Exército. Abrigou o foragido da justiça, Brasiliano Americano Freire, oficial do Exército afastado por ter tomado parte no Levante de 1922. Foi o capitão Americano Freire quem cuidou da logística militar na Revolução de 30, em Nova Friburgo. O professor Côrtes teria se apropriado das armas do Tiro de Guerra durante a revolução. Em Nova Friburgo, Galdino do Vale Filho, ligado por laços familiares ao oligarca segundo Barão das Duas Barras, apoiava o lado governista da República Velha. Sucedeu Carlos Côrtes na direção do colégio seu filho Messias de Moraes Teixeira, que ingressou na carreira política, sendo deputado pelo Estado do Rio de Janeiro. Já os seus netos João Carlos e Renato Teixeira foram um dos fundadores do Parlamento Estudantil e tiveram uma militância política contra o golpe militar de 1964, notadamente a partir do Ato Institucional número cinco.

Foram três gerações de uma família de educadores. Mas no ano que passou a família teve que fechar o colégio. Na entrevista de Regina Côrtes Teixeira, um dos membros da família na administração do colégio concedida ao jornalista Guilherme Alt, de A Voz da Serra, em 21 de novembro, a professora declarou que a inadimplência dos alunos, que atingia quase a metade do corpo discente, foi o motivo determinante para o fechamento do estabelecimento de ensino. O Colégio Modelo sempre teve uma tradição que se o aluno não pudesse pagar a mensalidade, dava-se um jeito. Já entrevistei muitos ex-alunos, já nos seus mais de oitenta anos de idade, que estudaram nesse colégio. Todos muito bem estabelecidos profissionalmente, se emocionam ao dizer que conseguiram completar a sua formação graças aos descontos que tiveram na mensalidade.

Judith Côrtes Teixeira, igualmente uma das proprietárias, na mesma entrevista, fez uma interessante declaração. Segundo ela, o Colégio Modelo sobreviveu a enchentes, incêndio criminoso, perseguições e maledicências, guerras, revoluções, regimes diferentes de governo, moedas diferentes, leis educacionais confusas, entre outras. Não há exagero em sua declaração. Posso afirmar que a história do Colégio Modelo consegue dar conta de reapresentar a história da Revolução de 30 e as consequências do golpe militar em Nova Friburgo, em razão do protagonismo, nesses eventos, de seus ilustres proprietários.

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    Carlos Côrtes, no meio em segundo plano, na Revolução de 30

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    Messias Morais Teixeira com políticos e correligionários

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    O médico Salim Lopes foi professor no Colégio Modelo de ciências naturais e biologia

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Janaína Botelho

Janaína Botelho

História e Memória

A professora e autora Janaína Botelho assina História e Memória de Nova Friburgo, todas as quintas, onde divide com os leitores de AVS os resultados de sua intensa pesquisa sobre os costumes e comportamentos da cidade e região desde o século XVIII.

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