O Grito - Memórias de um interno da Fundação

quinta-feira, 01 de agosto de 2019

Na subida do Parque da Cascata, rumo ao Colégio Nova Friburgo, a natureza ao redor fascinava o menino paulista Alfredo Soria, que ingressava como aluno interno nesse estabelecimento de ensino. Na ocasião, estava com dez anos de idade. No caminho, a enorme quantidade de pés de caquis imprimindo um colorido especial à mata fascinante. O prédio do Colégio Nova Friburgo, conhecido familiarmente como Fundação, era em estilo normando e utilizava o modelo de educação do britânico Summerhill. O campo de futebol, as quadras de basquete, a piscina, as raias olímpicas, o imenso cine-teatro e a biblioteca. Tudo isso chamava a atenção do menino Alfredo Soria e o deslumbrava.

No entanto, a ausência da mãe foi muito sentida nos sete anos de internato. Alfredo Soria nos informa que a maioria dos alunos internos eram filhos de lares desfeitos ou com algum conflito familiar. Era o seu caso, filho de pais desquitados. Havia também os alunos bad boys internados, para que o colégio lhes corrigisse o comportamento. Uma vez por mês, durante quatro dias, poderiam visitar a família. Alfredo Soria, como muitos outros, cujos pais residiam distantes e era oneroso o custo de uma viagem, geralmente eram convidados para ir com os amigos para as suas residências. Havia uma sirene que indicava a hora de acordar, do almoço, do lanche e do jantar. Surpreendeu-me lendo em suas memórias que as refeições eram simples. Havia consenso de que, de um modo geral, os alunos do Colégio Nova Friburgo eram de famílias abastadas. Ledo engano, pois a grande maioria era de bolsistas. Segundo Soria, dos 3.200 alunos que passaram pelo colégio, 2.000 mil foram bolsistas. Igualmente a dedicação integral dos professores e o fato de os mesmos residirem no colégio, tudo isso lhe causou um impacto muito forte.

No internato reinava a camaradagem, as amizades eram intensas e alguns chegavam a chamar-se de irmãos. Uma das maiores façanhas era roubar as provas e dar para o melhor aluno respondê-la. Foram flagrados em muitas dessas artimanhas e punidos. As aulas podiam ser também no pátio, onde os alunos se juntavam ao redor de um professor que lhes tiravam as dúvidas. Como os professores residiam no colégio era inevitável um encontro casual. Um dos capítulos que me surpreendeu foi a República de Bananas. Nas conversas entre os alunos nada de conteúdo político partidário. Igualmente não se preocupavam com a economia nacional. Conversavam apenas amenidades que giravam em torno de suas próprias vidas no colégio, música, futebol e meninas. Mudar o mundo não estava em seus planos. República das Bananas foi o nome que deu àqueles alunos cuja preocupação era olhar para dentro de si mesmo. Nas excelentes instalações do cinema, os filmes, na maioria, eram de baixíssima qualidade. Os projetistas colocavam uma tapadeira de papelão na frente do projetor que subia e descia nas cenas mais ousadas. Os jornais internos do colégio, ainda segundo Soria, não tinham conteúdo de valor, apenas notícias do cotidiano, brincadeiras, nenhuma matéria de relevância. No centro da cidade, suas traquinagens eram roubar peças do trem que estava sendo exibido na praça, almoçar no restaurante Majórica assinando a nota em nome de um desconhecido e frequentar a casa de prostituição de Dona Sofia. Frequentavam igualmente o Bar do português, Seu Mário, e do alemão Hans que tinha um chopp de qualidade, chucrute e salsichões. A bossa nova era a música da época. Nas festinhas do Clube do Xadrez tomavam cuba livre, uma mistura de rum, coca-cola e limão e dançavam ao som de Rita Pavone, Elvis Presley, Neil Sedaka e Credence Clearwater. Nos namoricos com as meninas da cidade não havia compromisso e dizia-se “que os amores de Friburgo não desciam a serra”.

Os alunos da Fundação eram muito assediados pelas friburguenses e isso causava revolta nos rapazes da cidade. Houve o caso de um rapaz de Friburgo andar armado com um revólver e ameaçar um aluno interno. Grupos de rapazes rivalizavam com os alunos da Fundação no centro da cidade e muitas vezes a polícia intervinha. Na formatura os alunos usavam terno preto e os pais se vestiam elegantemente. Eram servidos com uma garrafa de guaraná e um prato de filé mignon. Governadores de Estado e celebridades do mundo político geralmente eram os paraninfos. Soria não esclarece o período em que estudou no colégio, mas parece ter sido entre 1960 e 1967. Nos últimos anos em que lá estudou, percebe um sinal de decadência do colégio. Segundo ele, nos quartos em que cabiam quatro alunos tinha apenas metade, acabaram as “regalias” e o número de internos diminuiu muito no final de década de 60.

A cada encontro de ex-alunos sentia a deterioração do estabelecimento de ensino. O colégio passa a receber apenas alunos da localidade, mas a qualidade de seu ensino não foi a mesma quando de sua implantação, em 1950. O Colégio Nova Friburgo encerrou suas atividades no ano de 1977. Alfredo Soria é cineasta e autor do livro “O grito, memórias de um internato.”

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    O Colégio Nova Friburgo seria originariamente um cassino.

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    Uma das primeiras turmas do Colégio Nova Friburgo

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    O corpo docente do Colégio Nova Friburgo

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Janaína Botelho

Janaína Botelho

História e Memória

A professora e autora Janaína Botelho assina História e Memória de Nova Friburgo, todas as quintas, onde divide com os leitores de AVS os resultados de sua intensa pesquisa sobre os costumes e comportamentos da cidade e região desde o século XVIII.

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