A endogamia em nossa história

quinta-feira, 07 de setembro de 2017

No princípio do século 19, a intensa pressão britânica para o fim da escravidão contribuiu para o projeto de colonização estrangeira no Brasil. A instituição de núcleos coloniais de povoamento em diversas regiões do país no reinado de D. João VI foi uma estratégia que tinha por escopo um novo modelo econômico que não mais se basearia no latifúndio e no trabalho escravo. Os núcleos coloniais teriam uma estrutura agrária baseada na pequena propriedade, na produção da lavoura branca com a utilização da mão de obra livre.

Em 1818, foram firmadas entre o Rei D. João VI e a Confederação Helvétiva, através do Cantão de Fribourg, as condições com direitos e obrigações recíprocas para o acolhimento de no máximo cem famílias, o que dariam aproximadamente 800 pessoas. No entanto, chegaria o dobro de colonos ao Brasil. Fora designado o recém-criado distrito de Cantagalo, na província do Rio de Janeiro, para abrigar o primeiro núcleo de colonos estrangeiros. Cantagalo fora cenário de acontecimentos turbulentos nas últimas décadas. Para lá se deslocaram muitos indivíduos provenientes da Província de Minas Gerais e igualmente portugueses dos Açores e da Ilha da Madeira. Habilitaram-se como sesmeiros para exploração do ouro de aluvião depositado nos rios que fora descoberto anos antes pelo contrabandista conhecido como Mão de Luva. Porém, a extração de ouro nos rios da região foi muito aquém do esperado pela Coroa Portuguesa e toda a estrutura administrativa foi desfeita. Os sesmeiros foram compelidos a migrar sua atividade do garimpo para o plantio de alimentos.

Voltando para o recém-criado termo de Nova Friburgo, foi realizada a distribuição de lotes de terra, por sorteio, entre as famílias. Verificou-se que muitas dessas áreas encontravam-se em encostas e picos muito escarpados, absolutamente improdutivos. Para resolver esse problema o príncipe Regente, D. Pedro I, disponibiliza novas terras nas cabeceiras do Rio Macaé e desobriga os colonos a permanecer no Núcleo Colonial. Muitos migraram para regiões que se desenvolveram e tornaram-se freguesias prósperas de Nova Friburgo, como São José do Ribeirão, Nossa Senhora da Conceição do Paquequer e Sebastiana. Os que permaneceram no núcleo dedicaram-se às culturas do milho, do feijão, da mandioca e do fabrico do toucinho.

A dispersão de famílias suíças e alemãs para Cantagalo e sua rápida e crescente prosperidade ao longo do século 19 é uma questão intrigante. O que levou esses colonos e seus descendentes, já na segunda geração, a uma célere ascensão social? Uma das principais razões possivelmente foram os casamentos consanguíneos entre primos de uma mesma família. Ainda hoje no distrito do Campo do Coelho, o matrimônio de primos entre os Cardinot é uma realidade. Indagado sobre o motivo, um membro da família casado com uma prima respondeu, de pronto, que era para o dinheiro ficar na mesma família. Através da endogamia foram acumulando capital, no caso terras, que ficava em um único grupo familiar. Além dos casamentos consanguíneos, as famílias descendentes de colonos suíços, e em alguns casos, alemãs, uniram-se em alianças matrimoniais. Assim sendo, os Monnerat, Wermeliger, Lemgruber, Lutterbach e Erhtal faziam parte de um mesmo clã.

Embora em menor proporção, a endogamia vem sendo praticada até hoje entre alguns descendentes de colonos, acarretando alguns problemas em sua genética. Segundo relatos, todas as crianças de uma família Monnerat nasceram com deficiência visual. Entre os Mozer, alguns nasceram com apenas dois dedos nas mãos ou nos pés. Uma senhora da família Erthal me relatou que proibiu que sua filha se casasse com um membro da mesma família em razão do nascimento de crianças com deficiência física e, às vezes, mental. O casamento consanguíneo também ocorria entre as famílias da elite brasileira. Parece ter sido um costume da época e pela mesma razão apontada: para o patrimônio não se dissipar.

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    Coronel Ernesto Monnerat e Maria Luiza, do ramo Lutterbach Lemgruber

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    Através da endogamia foram acumulando capital que ficava em um único grupo familiar

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    Descendentes de colonos suíços, 1909

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Janaína Botelho

Janaína Botelho

História e Memória

A professora e autora Janaína Botelho assina História e Memória de Nova Friburgo, todas as quintas, onde divide com os leitores de AVS os resultados de sua intensa pesquisa sobre os costumes e comportamentos da cidade e região desde o século XVIII.

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