Uma fábrica de medos

terça-feira, 02 de maio de 2017

Não sejamos ingênuos, o medo faz parte da vida e da nossa sobrevivência. Alguns medos evitam ações que poderiam comprometer nossas vidas. Medo de precipício, medo de tomar choque elétrico ou medo de ser atropelado.

Mas, com toda a modernidade, fabricamos mais medos, hoje, que no passado. As histórias do passado, mesmo dentro dos contos de horror, tinham uma saída, mesmo mágica, o que não acontece mais com a quantidade de filmes de terror que garantem a permanência do medo.

Não vivemos mais um folclore nacional permeado de medos, embora as histórias infantis possam produzi-los. Histórias e canções com muita perversidade e distorções ecológicas. O “atirei o pau no gato”, por exemplo, é uma canção de pura maldade, onde se atinge o animal que não morre. A pancada era para matar, por isso todos se admiram com a sobrevivência do gato: e o gato não morreu, reu, reu... Pior ainda: Dona Chica, nessa canção, fica admirada com o berro que gato deu!

A maldade está estampada na canção do “Sambalelê”. Ele estava doente, com a cabeça quebrada e tinha que sambar para divertir os outros. O amor desaba com “o cravo brigou com a rosa”. Brigaram debaixo de uma escada, o cravo saiu ferido e a rosa despedaçada... Segue-se o medo do lobo mau que vem pegar crianças pra fazer mingau, medo do boi da cara preta que pega criança que tem medo de careta. E ainda mandam a criança dormir, senão a “cuca” vem pegar.

Com as tecnologias os medos ficaram mais sofisticados porque, mesmo distantes, trazem as guerras para dentro de nossas casas, trazem o crime para o sofá da sala, quase fazendo surgir sangue da TV para manchar o tapete.

Mais recentemente, com a explosão da gripe suína no Brasil, perguntei a professores no interior do Piauí quais eram os três maiores medos que tinham. O primeiro era o medo da morte, o segundo, de perder o emprego e, o terceiro, o medo da guerra. Crianças no Rio de Janeiro temem mais a doença da “vaca louca” que a dengue.

Vivemos numa verdadeira fábrica de medo. Quando tudo está calmo, cria-se um medo e todos nós vivemos de sobressalto. A pior situação em relação ao medo é a sua banalização. Os valores estão banalizados ao ponto de uma boa notícia ser descartada porque a outra, medonha, vulgar e agressiva, prende mais a atenção junto à tela da TV.

Passamos, então, ao pior aspecto: eliminamos pessoas num jogo ou a mantemos jogando através de um telefonema pago. Pagamos para brincar de eliminar. O tiro que damos não parte de uma pistola e, sim, de um pulso telefônico.

À medida em que se passam dias e anos com essa cultura do medo e da violência nossos corações podem ficar mais duros, nossa sensibilidade menos fina e, em suma, tudo isso vai nos tornando menos humanos com o perigo de nos transformarmos em monstros treinados. A hora de mudar está chegando atrasada demais!

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Hamilton Werneck

Hamilton Werneck

Eis um homem que representa com exatidão o significado da palavra “mestre”. Pedagogo, palestrante e educador, Hamilton Werneck compartilha com os leitores de A VOZ DA SERRA, todas as quartas, sua vasta experiência com a Educação no Brasil.

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