Reflexões sobre a reforma do ensino médio - Última parte

quarta-feira, 14 de dezembro de 2016

Com a criação do núcleo comum e da parte diversificada, as escolas, sobretudo do sistema particular de ensino, terão problemas de sobrevivência econômica se tiverem um ensino médio com número reduzido de alunos. Como dividir em quatro áreas de interesse uma série escolar com quarenta alunos? Assim, há apreensão muito grande por parte de escolas menores. Quanto ao setor público, o mesmo ocorrerá. A diferença é que o empreendimento público tem a aparência de que nunca vai à falência. Mas, se as turmas forem reduzidas em número de alunos, o ensino será mais caro para o Estado, demandando mais verbas para a educação. Mesmo que alguns possam sugerir que, numa determinada cidade, as escolas particulares, por exemplo, possam se organizar em função de áreas específicas, seria importante lembrar que após a Lei 5692/71 estas tentativas foram feitas e o êxito foi desastroso.

É verdade que a reforma não é apresentada para ser implantada em curto espaço de tempo, no entanto, ela exige três aspectos importantes que precisam ser implementados: espaço físico e condições de trabalho para atender ao novo modelo; pessoal preparado e com formação pertinente; e disponibilidade de verba. Tais metas só serão atingidas se até 2024 forem aplicados 10% do PIB em educação.

Por fim, qualquer reforma deve pensar no perfil da pessoa que surgirá dela. Qual perfil de cidadão e de profissional que se deseja com a reforma do ensino médio brasileiro? Os governantes, através da história, mostraram-se cuidadosos em evitar o que lhes seria inconveniente. Joseph Stalin, por exemplo, escondeu a obra de Vigotsky, que só foi liberada depois da Perestroika de Michail Gorbachev. Após a Semana de Arte Moderna de 1922, em São Paulo, as artes pareciam que finalmente ingressariam nos currículos brasileiros, dado que deles foram banidas no século XVIII. Mas, a habilidade dos “barões” do café conseguiu transformar a educação artística em educação técnica. Nada de poesia, nem de teatro, nem de pintura, sobretudo a crítica. Implementou-se o telegrama, a ata, o relatório, a carta e, no campo do desenho, o domínio foi da geometria. Os conceitos de Jean Piaget sobre a construção do conhecimento não conseguiram entrar no Brasil à época dos militares. O aluno piagetiano era muito mais propenso a um mundo do capitalismo liberal que ao capitalismo de estado, reinante no Brasil. E, neste ponto, reflito em relação a esta reforma porque me parece que ela comete um grande equívoco quando restringe a arte, a educação física, e filosofia e a sociologia. Qual o tipo de cidadão pensamos formar? Se for alguém que saiba muita técnica e tiver uma deficiência em sua formação humana, será um “monstrinho” treinado. Exatamente o que ostenta um diploma debaixo do braço e mata o próprio filho. Se o desejo é formar cidadãos democratas e conscientes, é preciso filosofia e sociologia, esta última baseada no fato social. Uma população que cuida da própria saúde precisa adquirir estas noções, desde os primórdios da família e da escola, portanto, a educação física tem sua importância e nós não podemos esquecer do lema romano “mens sana in corpore sano”, mente sã, num corpo sadio! O mundo moderno exige criatividade para enfrentar a falta de certeza, para encarar o imprevisível, e para isso, nada melhor que o desenvolvimento da educação artística.

Vivemos num mundo que fez ressurgir o filósofo Heráclito: “Tudo corre, tudo passa, nada permanece”. Por mais técnicos que sejamos, não podemos perder o poder que advém da contemplação do belo. Creio ainda que isto nos leva a pensar sobre o conceito dos gregos a respeito do idiota e do político. Para os gregos, quem pensasse somente no próprio umbigo, quem trabalhasse com o lema “cada um por si e Deus por todos” e quem não participasse da vida comunitária era considerado um idiota. O contrário disso, aquele que fosse participativo e trouxesse a sua contribuição para a comunidade humana, era considerado o político.

Finalizando, penso que para não termos que conviver com uma sociedade que inverta estes valores gregos, necessitamos de um currículo escolar que permita pensar, discutir e sentir.

TAGS:

Hamilton Werneck

Hamilton Werneck

Eis um homem que representa com exatidão o significado da palavra “mestre”. Pedagogo, palestrante e educador, Hamilton Werneck compartilha com os leitores de A VOZ DA SERRA, todas as quartas, sua vasta experiência com a Educação no Brasil.

A Direção do Jornal A Voz da Serra não é solidária, não se responsabiliza e nem endossa os conceitos e opiniões emitidas por seus colunistas em seções ou artigos assinados.