Mudando paradigmas – A separação dos lados do cérebro

quarta-feira, 18 de abril de 2018

À medida que os estudos de anatomia avançavam, descobriu-se que o cérebro era um bloco dividido em dois grandes hemisférios: o direito e o esquerdo. Com a evolução dos estudos neurológicos, os médicos começaram a perceber que determinados acidentes com o cérebro privavam as pessoas de alguns movimentos ou inibiam um lado do corpo, como acontecia nos casos dos derrames. Mais tarde, com o avanço desses mesmos estudos, verificou-se que pessoas poderiam ter lesões cerebrais sérias e ficar com a memória preservada.

Contava o escritor e educador Celso Antunes, quando relatava fatos de sua infância em São Paulo, que os meninos brincavam muito com certo mendigo estrangeiro que perambulava pelo bairro. Quando, porém, o irritavam muito, ele começava a falar uma língua que eles não entendiam. Certa vez, conta Celso, juntou-se a esse grupo de meninos um rapaz alemão. Estando ele com este grupo, chegou o mendigo, que, mais uma vez irritado, começou a falar. O espanto do rapaz alemão foi enorme porque aquele homem declamava Goethe. Louco, assim era tido. A memória do passado, no entanto, estava preservada.

A descoberta do corpo caloso ligando os dois hemisférios permitiu uma cirurgia através da qual essa ligação era rompida. Chamava-se lobotomomia. Os lobotomizados estavam livres de determinados acessos e a parte do corpo afetada não mais sofria os tremores anteriores. Os avanços continuaram e, hoje, considera-se muito a função de cada hemisfério cerebral. Nada de espantar se os mecanicistas segmentados conforme o paradigma da era industrial considerassem essas partes do cérebro completamente desconectadas. Assim, se o lado esquerdo é o lado lógico, numérico, controlador dos movimentos do lado direito do corpo, facilitador da enumeração, do cálculo e da ordenação, o lado direito passou a ser olhado como o lado dos insights, da arte, da criatividade e da intuição.

Perceber esses lados como coisas separadas estava intimamente ligado às considerações paradigmáticas da época. Desde Descartes, a visão da separação era muito clara na mente dos cientistas, pensadores e filósofos, que faziam uma perfeita dicotomia quando analisavam o cérebro. Se este era criativo, a pessoa não daria para cálculo, nem para lógica e, muito menos, para a ordenação. Não se admitia que a pessoa conseguisse integrar os dois lados desse cérebro. Ou se considerava uma pessoa como pensadora e planejadora, atuando com o seu cérebro frontal, ou bem se imaginava uma pessoa impulsiva e ativa, agindo com seu cérebro occipital. A mentalidade, de acordo com este paradigma, era considerar um ser humano como um ser dividido, fácil de ser classificado entre os que atuavam mais com o lado esquerdo que com o lado direito.

Há uma relação entre essa análise e as filosofias orientais. A noção de Yang e Yin pode ser comparada, se estudadas as reações desses dois tipos, respectivamente, como lado esquerdo e lado direito do cérebro. As reações na sociedade são muito semelhantes, a ponto de alguns analistas e estudiosos compararem a sociedade industrial do ocidente a uma sociedade tipicamente Yang, mecanicista e dominadora; a sociedade nova será, para esses mesmos pensadores, uma sociedade do conhecimento, muito mais Yin, ou seja, holística e, de parceria.

O próprio símbolo Yang e Yin é representado graficamente, indicando que se complementam. Essa complementação é difícil de ser assimilada pelo paradigma tradicional, que, neste momento de nossa história, deve ser evitado. Ele impede as parcerias, as integrações entre os vários sistemas e entre componentes dentro e fora dos sistemas. Essas considerações acabam por impedir uma visão sistêmica da pessoa e do mundo e, portanto, esse paradigma é inadequado para a sociedade atual.

É interessante o fato de encontrarmos, no meio do povo, pessoas capazes de fazer de tal modo a integração dos lados do cérebro que, ao escrever uma poesia, sem saber dos aspectos filosóficos que estudam o tempo, o espaço e as integrações, refletem um novo paradigma e, enquanto promovem a integração, questionam a segmentação e o tempo absoluto.

É o que a poesia “Somente agora”, de Lauriana Maganha Sant’Ana, aluna da ETFG de Varginha-MG, retrata claramente: “Tempo... O tempo relembrado é passado/ O tempo de chorar, tristeza: o de sorrir, alegria/ O tempo de sonhar, criar, imaginar, será o futuro/ Tempo é estar, é fazer, é existir./ O tempo idolatrado está na eternidade./ E o da caridade está no aprendizado./ O tempo da noite é para adormecer./ Mas, nos fins de semana, agitar./ O tempo das flores, do desabrochar, das cores, é primavera, e o dos corpos dourados e janelas abertas, verão./ O tempo de colher é o tempo que a mãe natureza dita e o de nascer uma nova vida, o homem e a mulher./ O tempo para o sol se pôr é o entardecer e o de se levantar está na esperança e na garra;/ O tempo de se apaixonar, não, não tem tempo./ Esse é involuntário, surpreendente./ O de se perder é um mistério./ Tempo de vencer dura a caminhada./ E o de acontecer é daqui a pouco./ O tempo de receber a gratidão do mundo é a todo instante... tudo tem seu tempo, mas o tempo para se viver é o agora.”

Enquanto cria um texto, Lauriana não deixa de ordenar seu pensamento e classificar o tempo, sem perder o sabor poético de uma inteligência verbo-linguista excelente. É impossível determinar: agora serei criativo; agora, calculista e classificador. E, enquanto o pensamento tecnicista do paradigma do passado faz as separações dentro das cabeças das pessoas, a sociedade do conhecimento perde uma grande oportunidade de produzir textos ou soluções ao estilo da aluna poetisa mineira.

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Hamilton Werneck

Hamilton Werneck

Eis um homem que representa com exatidão o significado da palavra “mestre”. Pedagogo, palestrante e educador, Hamilton Werneck compartilha com os leitores de A VOZ DA SERRA, todas as quartas, sua vasta experiência com a Educação no Brasil.

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