O dia 32 de outubro

sexta-feira, 27 de outubro de 2017

Não é obra de ficção científica, trata-se de um trocadilho. O dia 31 de outubro de 2017 marca a celebração dos 500 anos da Reforma Protestante. Essa data traz à memória o dia em que o monge agostiniano Martim Lutero afixa na porta da Igreja do Castelo de Wittemnberg na Alemanha, suas 95 teses questionando todo um sistema de exploração da fé através da venda de indulgências. Lutero foi ousado, pois se atreveu a questionar o status quo de uma população acostumada a ser manipulada e com isso gerou uma grande revolução que se iniciou no âmbito da igreja e alastrou-se para a política, economia e a sociedade como um todo. A grande questão é: o que faremos no pós 31 de outubro? O que será do dia “32 de outubro”, quando todos os festejos e celebrações alusivas aos 500 anos tiverem terminado?

Lutero não é propriedade das igrejas luteranas! Os seus escritos, doutrinas e história de vida são importantes para a reflexão de todas as igrejas do presente e também do futuro. No reformador alemão vamos desvelar o reencontro do ser humano com a palavra de Deus. A tradução da Bíblia para a língua alemã foi crucial nesse processo. Pessoas que conhecem a palavra de Deus podem orientar-se e dificilmente caíram em falsas doutrinas. Penso que essa seja talvez uma das ações mais marcantes da trajetória de Lutero: Empoderar homens, mulheres e crianças colocando nas mãos do povo a Sagrada Escritura. Eis uma boa pauta para ser vivida a partir do dia 32.

A Bíblia é um dos pilares da Reforma Protestante, pois nela vamos encontrar o evangelho do Cristo crucificado, que se solidariza com os pobres e oprimidos, com os pequenos e os excluídos. O Cristo das sagradas escrituras caminha longe da teologia da prosperidade; antes, trilha por caminhos pedregosos e cheios de pó. Esse foi o Cristo pregado por Lutero às pessoas de seu tempo, esse é o Cristo que nós, herdeiros da Reforma deveríamos pregar em nossos púlpitos hoje e a partir do dia 32.

O anúncio da palavra deve libertar o ser humano do peso da lei. Martim Lutero desvela para o seu tempo e para todos nós a boa nova do evangelho: Somos livres pela graça de Deus! A descoberta de que “o justo viverá por fé” (Romanos 1.17) transforma a vida Lutero, que até então, sentia-se oprimido por uma imagem de um Deus cruel e tirano. Ao crer que pela fé estava liberto dos pecados, descobriu um Deus misericordioso. Ao anunciarmos a justiça de Deus, deveria prevalecer, em nosso tempo, o desafio de viver a liberdade evangélica numa vivência de compromisso, compaixão e amor ao próximo. Somos libertos por Deus, para servir ao próximo em amor começando agora e tornando isso algo ainda mais concreto a partir do dia 32.

Duas premissas da teologia luterana que deveriam sempre estar em pauta são “igreja sempre em reforma” e “viver o batismo diariamente”. A primeira aponta para a necessidade de que a igreja, como instituição, precisa manter-se constantemente atualizada, ou seja, permitir que o sopro vivificante do Espírito Santo atue, de forma que a Igreja não perca sua identidade, mas seja contextualizada para pastorear as pessoas nas agruras do mundo pós-moderno. A segunda premissa aponta para a necessidade humana de reformar e transformar suas ideias (Romanos 12.2) e permitir que o sopro vivificante do Espírito Santo transforme a conduta cristã aprimorando-a constantemente através do compromisso batismal. Não é por acaso que a primeira, das 95 teses de Lutero diz: “o nosso Senhor e mestre Jesus Cristo quis que toda a vida dos fiéis fosse penitência”. Precisamos estar constantemente em reforma em todos os níveis: Pessoal, profissional, educacional, político... Já poderíamos implementar tudo isso a partir do dia 32.

Passados meio milênio das marteladas à porta de Wittenberg, somos gratos pela luta de Martim Lutero. Porém, não comemoramos a pessoa de Lutero. Comemoramos a redescoberta do evangelho que liberta! Enquanto somos tomados pelos festejos dos 500 anos da Reforma, não esqueçamos do dia seguinte – 32 de outubro – quando (re)iniciamos a contagem para os próximos 500 e nos comprometemos mais uma vez a vivenciar os ideias da Reforma Luterana em todos os âmbitos sob a graça de Deus.

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Com este artigo, o pastor luterano Gerson Acker encerra o ciclo de comentários semanais em A VOZ DA SERRA sobre os 500 anos da Reforma Protestante. Neste sábado, 28, na Igreja Luterana de Nova Friburgo, na Avenida Galdino do Valle Filho, no Paissandu, o grupo Rádio Teatro, da Comunidade FM, apresentará às 19h, a peça “Martin Luther e a Reforma”, baseada na obra do saudoso membro da Academia Friburguense de Letras (AFL), Hartmut Ernst Riedmaier, e com produção e direção de João Francisco, assistência de direção de Deise Abrantes e os atores Annie de Contte, Camille Borgarth, Wilson Quintaes e J.F. Já no domingo, 29, às 10h30, o pastor Gerson Acker presidirá às 10h, na própria Igreja Luterana, o culto comemorativo dos 500 anos da Reforma Protestante. Ambos os eventos são abertos ao público em geral.    

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