Uma lei perigosa

quarta-feira, 15 de maio de 2019

Já estou até pensando em fazer delação premiada

Me disseram que... “Já começou mal”, dirá algum leitor entendido em português.  Como eu não gosto de discussão com ninguém, muito menos com os leitores, vou recomeçar, colocando o pronome no seu devido lugar: “Disseram-me que...” Mas antes vou acrescentar que não sou de discutir nem por causa de futebol, tanto que nunca digo que o Flamengo é o maior e o mais querido, embora o seja de fato. Rousseau afirmou que todo ser humano nasce bom, a sociedade é que o corrompe. Daí eu concluo que todo brasileiro nasce Flamengo, mas alguém pode deturpá-lo, às vezes o próprio pai, levando um ser inocente e indefeso a torcer por outro time.

E muito menos discuto religião, cada um na sua, e todos nas mãos de Deus, que também não há de gostar de bate-boca. Brigar por causa política, Deus me livre: tenho amigos da extrema esquerda à extrema direita, passando pelo centro, pelo meio, pelas bordas e pelas transversais. Concordo com todos eles, se não falando, ao menos ficando calado.  Me orgulho... epa! ... Orgulho-me de nunca ter perdido um amigo por causa de qualquer desses assuntos. E nem por isso deixo de ter minhas próprias opiniões a respeito de cada um deles.

Mas, tentemos recuperar o fio da meada. Disseram-me que o ilustre ministro Moro falou duas vezes uma palavra errada, ou falou errado duas vezes uma palavra, como queiram. Uma vez fui a um casamento e o celebrante começou afirmando que “Deus premeia...”.Quer dizer, o casamento já começou errado, pelo menos a julgar pela gramática. Que Deus nos premia eu acredito, aliás, ele não faz outra coisa na vida. A gente costuma não se dar conta, mas, como escreveu Guimarães Rosa, que tinha o talento de inventar erros que eram maravilhosos acertos: “Quando nada acontece há um milagre que não estamos vendo”.

Mas, por favor, não me distraiam outra vez. Voltemos ao fio da meada. O que me preocupa não é que o ministro tenha tropeçado na gramática. Quem nunca? Além do mais, falar mal é pior do que falar errado. E pior do que escrever errado é escrever empolado, confuso, impreciso. Sem falar no duplo sentido. Por exemplo: após a morte do grande diplomata, escreveram no Itamaraty: “Nesta sala de trabalho morreu o Barão do Rio Branco”. Por causa da posição da frase nas paredes, não raro a primeira leitura era: “de trabalho morreu o Barão do Rio Branco”. De fato, o barão trabalhava muito, tanto que conseguiu, entre outras façanhas, arrastar o Acre do mapa boliviano para o mapa do Brasil.

O que me preocupa é que Moro venha a criar uma “Lei anticrime contra a Língua Portuguesa”. Porque aí, meus amigos, estaremos todos ferrados. Eu sei que não escapo. Já estou até pensando em fazer delação premiada. Vou pegar jornais, revistas e livros à cata de erros e denunciar os autores, naturalmente em troca do perdão das minhas próprias faltas. Se o perdão total não for possível, aceito prisão domiciliar.

Errar é humano, até Rui Barbosa deve ter tropeçado alguma vez na gramática. Então, perdoemos e perdoemo-nos, que não vale a pena brigar por causa de uma vírgula ou um pronome. E torçamos para que Moro não invente a tal “Lei Anticrime Contra a Língua Portuguesa”. Há muitos outros crimes no Brasil que precisam ser investigados com muito mais urgência.

TAGS:

Robério Canto

Escrevivendo

No estilo “caminhando contra o vento”, o professor Robério Canto vai “vivendo e Escrevivendo” causos cotidianos, com uma generosa pitada de bom humor. Membro da Academia Friburguense de Letras, imortal desde criancinha.

A Direção do Jornal A Voz da Serra não é solidária, não se responsabiliza e nem endossa os conceitos e opiniões emitidas por seus colunistas em seções ou artigos assinados.