O aniversário de Ihoshuha

quarta-feira, 21 de dezembro de 2016

 “Pode alguma coisa que preste vir de Nazaré?”, perguntou Natanael ao ouvir de Felipe que daquela cidade saíra o Messias que há milênios os profetas anunciavam. Natanael terá sido o primeiro cético, mas muitos continuaram a duvidar, pelos tempos afora. Tomé, apesar de ter convivido com Jesus e ouvido diretamente dele a pregação da Boa Nova, ousou exigir provas. E isso depois de os fariseus terem sido avisados: “Em verdade vos digo, a esta geração não será dado um sinal”.    

De fato, não nos faltam razões para descrer. Jesus não era um erudito. Não escreveu livros, não teve filhos e não plantou árvores (deve é ter derrubado algumas, enquanto trabalhava como carpinteiro). Não esteve entre os poderosos de sua época, de modo que os historiadores não se ocupam dele. Falava aramaico, num tempo em que imperavam o grego e o latim, língua das quais nada sabia. Era um monoglota. Mesmo palavras que iriam ficar tão ligadas a ele, como Evangelho e Cristo, ele certamente nunca as falou, por serem gregas. Os textos que contam a sua vida foram escritos bem depois que os fatos aconteceram. Às vezes, muito depois. Quando o Evangelho de João ficou pronto, já haviam se passado uns cem anos desde a crucificação. Se ao menos tivesse sido cidadão romano ou ateniense! Mas nasceu num fim de mundo chamado Belém (cidade sobre a qual pairava uma profecia de seis séculos: “E tu, Beth-Lehem, da terra de Judá, não és a menor entre as principais de Judá: de ti vai sair o chefe, que será rei de Israel, meu povo”).

Seu primo João, que mergulhou no deserto para anunciá-lo, vestia uma pele de camelo e alimentava-se de gafanhotos, enquanto clamava: “Preparai o caminho do Senhor, endireitai as suas veredas”. Embora assim obscuro e só toscamente anunciado, Jesus entra na história de forma tão arrebatadora que, a partir de então, sua palavra passa a ser o critério para o julgamento de toda ação humana.

Depois de Jesus, as aparências deixam de ter valor, se por trás delas não existem uma intenção reta e um sentimento verdadeiro: “Ai, de vós, escribas e fariseus hipócritas”. Depois de Jesus, está condenada a lei do olho por olho, dente por dente: “Eu, porém, contradigo: não resistam ao mal”. Depois de Jesus, só mesmo alguém perfeito (se existisse), poderia julgar e condenar seu semelhante: “Quem dentre vós não tiver pecado, atire a primeira pedra”. E que o espírito da lei está acima da letra da lei, evidencia-se na resposta arrasadora de Jesus aos que o questionaram, porque seus discípulos colhiam espigas de milho: “O sábado foi feito para o homem, não o homem para o sábado”.

Ioshuha, Joshua, Josué, Jesus, até seu nome - que adquiriu variadas formas - era comum na região.  Novo era o que ele falava, e, sobretudo, a autoridade com que falava. Seu povo havia sido escravo no Egito e de lá, conduzido por Moisés, voltou para ocupar a Terra Prometida. Também Jesus esteve escondido no Egito e de lá voltou para que todos os homens pudessem ocupar o reino que ele prometia. 

Muitas foram as decepções que os homens lhe causaram: “Cantamos e vocês não dançaram. Choramos e vocês não choraram”. Mas nem uma vez sequer ele deixou de defendê-los, de mostrar-lhes a grandeza que tinham e desconheciam: “Porventura não se vendem dois passarinhos por um asse. E, todavia, nenhum só deles cairá sobre a terra sem a permissão de vosso Pai. Até os próprios cabelos de vossas cabeças estão todos contados. Não temais, pois; vós valeis mais que muitos pássaros”. Ou ainda: “Vós sois o sal da terra. Vós sois a luz do mundo”.

Na imperfeita conta dos homens, há mais de dois mil anos que os anjos se dirigiram aos assustados pastores que velavam seus rebanhos: “Eis que vos anuncio uma boa nova: nasceu-vos hoje na cidade de Davi um Salvador, que é o Cristo, o Senhor”. Bom será se, ao comemorar esse acontecimento, deixemo-nos embriagar por sua promessa: “O que beber da água que eu lhe der, nunca, jamais terá sede, mas a água que eu lhe der virá a ser nele uma fonte da água que salte para a vida eterna”. 

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Robério Canto

Escrevivendo

No estilo “caminhando contra o vento”, o professor Robério Canto vai “vivendo e Escrevivendo” causos cotidianos, com uma generosa pitada de bom humor. Membro da Academia Friburguense de Letras, imortal desde criancinha.

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