A jato

terça-feira, 04 de abril de 2017

Mas isso não lhes tira o mérito de serem grandes e talentosos ladrões

Lavar carro também é cultura, eis a conclusão a que cheguei quando, ao apanhar meu fusquinha 85 no lava-jato, encontrei uma daquelas folhas de jornal com que cobrem o solo do veículo após tê-lo lavado e perfumado. Primeiro, porque a demora do serviço me fez pensar na incoerência do nome lava jato. Todos sabem que há um tipo de avião que desenvolve altíssima velocidade, por ser empurrado para cima e para frente por propulsão... a jato. Bem, já falei tudo o que sabia a respeito e espero que vocês sejam mais entendidos do que eu no assunto. Mas, dá pra entender que lavar um carro a jato quer dizer lavá-lo num instantinho, num piscar de olho. Vupt!

Aí surgiu a Operação Lava Jato. No Brasil sempre se roubou, mas era no ritmo de teco-teco, com a diferença de que teco-teco faz um barulho de teco-teco e, para roubar, sempre soubemos trabalhar em silêncio. A coisa era artesanal, roubava-se aqui e ali, a varejo, sempre, mas sem grandes exageros. Nos últimos anos, no entanto, a roubalheira institucionalizou-se, transformou-se num sistema de centralizar em poucos bolsos a riqueza produzida pelo povo, contanto que o povo não se metesse a besta de também querer sua parte. Enfim, passou-se a roubar a jato. Verdade que cometeram o erro de centralizar uma dessas operações num posto de gasolina, onde, além de lavar carro, também se lavava dinheiro. Mas isso não lhes tira o mérito de serem grandes e talentosos ladrões (nem lhes tira o dinheiro que roubaram, que esse, bye-bye, já está longe!).

Outra coisa que muito beneficiou minha pouca cultura foi ter encontrado na dita folha de jornal algumas notícias interessantes. Uma delas me chamou mais a atenção. Um dos nossos amados ex-presidentes falou que a saúde pública no Brasil era de fazer inveja ao Primeiro Mundo. A princípio, fiquei com pena do Primeiro Mundo. Depois, pensando melhor, compreendi que se tratava de coisa boa, significava que a gente já podia encontrar nos hospitais públicos brasileiros médicos, remédios, equipamentos e até camas (ou leitos, que é o nome de cama nos hospitais, assim como aeronave é avião quando está voando).

Além disso, eu nunca fui de duvidar das autoridades. Se elas dizem que está tudo maravilhoso, e o povo vive reclamando, concluo que o povo é que não reconhece os generosos benefícios que recebe do governo. Por isso, li com muita atenção a notícia segundo a qual uma idosa está no 471º. lugar na fila de operação de um hospital público. Para o leitor menos inteligente, vou logo esclarecendo: isso quer dizer que há 470 pacientes para serem operados antes dela. Tem mesmo que ser muito paciente! 

Consideremos o seguinte: o jornal (pedaço de jornal, melhor dizendo) informa que se trata de “uma idosa”, portanto, menos de 60 ela não tem, Digamos 70, ou 80. Melhor ainda se tiver 90. Porque, vejam bem, antes que chegue sua vez de ser operada, ela terá feito ao governo a grande gentileza de morrer. Ora, tendo partido sem que chegasse sua vez de entrar na faca, não precisou passar por esse sofrimento, e ainda poupou o governo das despesas com mais uma cirurgia que era desnecessária, conforme ficará provado com o falecimento da mulher.

Tem o perigo de que ela não vá embora a jato, que fique na fila toda a vida, atrapalhando o tráfego, como diria o Chico. Uma chateação, ainda mais com esses repórteres fofocando tudo, descobrindo coisas que melhor seria se ficassem encobertas. Mas não, essa brava brasileira não há de dar aos governantes tamanha decepção e, quando o candidato de número 600 estiver na mesa de operações, ela agradecerá pela atenção recebida, dirá adeus e irá para o céu. A jato! 

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Robério Canto

Escrevivendo

No estilo “caminhando contra o vento”, o professor Robério Canto vai “vivendo e Escrevivendo” causos cotidianos, com uma generosa pitada de bom humor. Membro da Academia Friburguense de Letras, imortal desde criancinha.

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