Evidentemente

quarta-feira, 02 de outubro de 2019

Videntes vivem do futuro, é no futuro que eles ganham o pão do presente.

Não vale a pena ser incrédulo. Basta ver o carão que Tomé levou de Jesus. E, como dizia Hamlet, há mais coisas entre o céu e a terra do que sonha a nossa vã vilania, ou fã filosofia, não sei bem. Se não foi exatamente assim que ele falou, foi mais ou menos isso. Pois bem, pode haver situações em que o ceticismo se justifique, mas no geral convém ser crente de carteirinha. Há muita verdade que desconhecemos e muita mentira em que acreditamos.  Embora o Barão de Itararé tenha dito que de onde menos se espera é que não sai mesmo, às vezes a solução vem quando menos esperamos e de onde menos esperamos. 

Creio que conhecem a historinha do rei que, pronto para ir caçar, perguntou ao Ministro do Sol e da Chuva se iria chover, tendo este assegurado que não. Dizem até que cantou um trechinho da música de Chico Buarque: “Um marinheiro me contou/que a boa brisa lhe soprou/ que vem aí bom tempo./ O pescador me confirmou/ que o passarinho lhe cantou/ que vem aí bom tempo”. Pois bem, baixou o maior temporal e o rei voltou encharcado e sem o veado que pretendia caçar. E foi disso mesmo que ele chamou o ministro. Não o despediu porque já naquela época havia a tal da governabilidade, e o ministro representava o PFP, Partido dos Filhos da Pátria, ao qual o povo se referia trocando a última palavra por outra, também iniciada por P.

 Tempos depois, lá vai o rei para a caçada e novamente pergunta ao ministro se vai chover, e este responde que não, culpando Chico pelo erro anterior. Eis que à beira da estrada um burro começa a zurrar. O roceirinho que o conduz informa ao rei que o burro sempre fazia esse berreiro quando ia chover. Sua Majestade voltou imediatamente para o palácio, e não é que naquele dia o céu despejou uma tonelada de água sobre a floresta real?! Então o rei mandou a governabilidade para o espaço, demitiu o ministro e nomeou o burro para o Ministério do Sol e da Chuva.

Pois acreditem que eu, tendo entrado na internet pela porta da previsão do tempo, me deparei com um vidente que — para que serve um vidente senão para isso? — faz previsões sobre o futuro. Embora no mundo atual até o passado seja imprevisível, videntes vivem do futuro, é no futuro que eles ganham o pão do presente. Presto então a mais sincera atenção ao que o homem fala, e não ouso discordar de nada do que ele diz.

Ele assegura, por exemplo, que o Flamengo vai ter dificuldades para vencer o Grêmio, mas vencerá, não se descartando, contudo, a possibilidade de derrota ou empate. Dores de cabeça serão inevitáveis, porém rapidamente curadas com um bom chá de carqueja com boldo que, garante, é consumido até pela rainha da Inglaterra e pelo Papa. Alguns colegas tramarão para tomar seu lugar no trabalho (embora no momento você esteja desempregado), mas usando a mesma camisa amarela no escritório por três dias seguidos você estará protegido contra toda inveja e mau-olhado.

O vidente também dá bons conselhos. Por exemplo: a vizinha anda espalhando que você tem um caso extraconjugal? Ainda que seja verdade, você não vai ficar sem reagir, não é mesmo? Mas não precisa fazer bate-boca com a mulher, até porque, quem sabe, o marido dela pode sair de casa e te dar uns cascudos. Qual a solução? O vidente ensina: cozinhe bem sete maçãs numa panela de barro, amasse-as e passe a pasta por todo o corpo, sobretudo na parte mais diretamente envolvida na fofoca da vizinha. Em meia hora a faladeira vai sentir dor na garganta toda vez que abrir a boca para falar teu nome. Verdade que o quilo de maçã não está nada barato, mas, para se livrar da língua alheia, este é um bom investimento.

Santo do dia, número de sorte, astro ascendente no céu ou descendente na Globo, tudo o vidente sabe, tudo ele ensina. Mas, ai de nós, imprevidentes, que mal conseguimos enxergar o que está acontecendo diante dos nossos olhos e queremos ver além, olhar o futuro e lá desvendar mistérios que somente a Deus pertencem.

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Robério Canto

Escrevivendo

No estilo “caminhando contra o vento”, o professor Robério Canto vai “vivendo e Escrevivendo” causos cotidianos, com uma generosa pitada de bom humor. Membro da Academia Friburguense de Letras, imortal desde criancinha.

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