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quarta-feira, 13 de novembro de 2019

E lá o encontrei, às voltas não com o concerto, mas com o conserto de um piano desafinado

Bastou que o famoso ator Cauã Reymond citasse meu nome num programa de televisão para que a popularidade dele fosse às alturas (bem, pelo menos aqui em casa). Na minha família e adjacências, Cauã virou o artista do momento, não se fala em outra coisa. Quer dizer, se o cachê dele tiver disparado repentinamente, isso se deve a mim, modéstia à parte. Não sei quantas pessoas telefonaram para ele, cumprimentando-o por ter me conhecido, mas que ligaram para mim já contei oito, e não faz nem uma semana que o vídeo viralizou em nossa cidade.

A verdade, custa-me admitir, é que não me lembro dele. Naquela época, Cauã era apenas um menino entre dezenas de meninos, e talvez nem fosse o único Cauã. Na minha vida de professor conheci Kauãs, Kauans, Cauans e tudo mais, que em matéria de inventar nome ninguém supera o brasileiro. Tem o modesto e tradicional Felipe, mas não faltam Phelipe, Fhillipe, Felipp e por aí vai.

Lembro-me da mãe dele — Denize, se não me engano —, que era presença constante no colégio. Pelas travessuras que ele conta no vídeo, fica fácil entender por que d. Denize não saía da sala da coordenação. Uma vez encontrei-a na rua e ela disse que iam me convidar para falar sobre o filho dela num programa de auditório. Mas o convite nunca se concretizou, pelo que o prestígio do rapaz ficou sem a alavancada que meu depoimento lhe teria garantido.

Mas essa não é minha única glória. Certa vez, estava eu num ônibus em que viajava um grupo de freiras.  Uma jovem, depois de examinar as senhoras presentes, me perguntou se eu era padre. Pensei em dizer que sim: “Si, padre de tres hijos”. E se ela quisesse se confessar, eu a teria absolvido, fossem quais fossem seus pecados, apenas dando a habitual penitência: rezar um Pai Nosso, esforçar-se para não pecar mais e praticar uma boa ação. Talvez acrescentasse o conselho de ter mais cuidado com as pessoas a quem contasse seus pecados, não fosse confiando assim sem mais nem menos em qualquer cara de padre que encontrasse no ônibus.

E nunca é demais relatar o meu encontro histórico com Leonel Brizola. Candidato a governador, Brizola foi almoçar numa escola de samba. Até aí, tudo bem. O problema é que pessoas importantes sempre se atrasam, e ele se atrasou. Enquanto esperavam, sambistas, correligionários e convidados foram tomando umas caipirinhas e umas cervejas para abrir o apetite. Resultado, quando o ilustre convidado chegou, quase todos os presentes estavam pisando nas nuvens, porque o chão desaparecia quando tentavam apoiar os pés em terra firme. Não sei se aqueles eleitores pretendiam votar nele ou apenas almoçar às suas custas. O que sei é que ele olhou em volta e, vendo do outro lado da rua um sujeito que, embora insignificante, parecia não estar bêbado, veio puxar conversar comigo.

Também tive a honra de receber cumprimentos e agradecimentos do grande Miguel Proença. Fui ao Centro de Artes buscar convites para o concerto que o internacional pianista faria à noite. E lá o encontrei, às voltas não com o concerto, mas com o conserto de um piano desafinado. A fim de substituí-lo por outro, começou ele mesmo a tocar o pesado instrumento para um canto do palco, tarefa na qual muito o ajudei. Posso dizer, portanto, sem mentir e com muito orgulho, que já toquei piano com Miguel Proença.

Não vou me alongar contando mais vantagens. De todos vocês, que gostam de cinema e televisão, política e música clássica, mas nunca receberam honrarias como as que acabo de citar, me despeço citando Ibrahim Sued: “Sorry, periferia”.

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Robério Canto

Escrevivendo

No estilo “caminhando contra o vento”, o professor Robério Canto vai “vivendo e Escrevivendo” causos cotidianos, com uma generosa pitada de bom humor. Membro da Academia Friburguense de Letras, imortal desde criancinha.

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